Poeta da Tecnologia

Entrevista com Elyeser Szturm

 

Nádia Timm - Em meio à diversidade de tecnologia quais limites das limites das artes plásticas? Afinal, existem limites?


Elyeser Szturm - É complicado. Há muito tempo a relação da tecnologia com a arte é fundamental, é decisiva. Mas a nossa época está convivendo com uma crise do sistema de representação da realidade e de criação da imagem. Estamos tendo vários sistemas que estão convivendo ao mesmo tempo. Hoje tem gente que pinta e gente que cria mundos virtuais no computador. É o meu trabalho – o que eu tento. Aliás, não estou sozinho, não é original, é óbvio...

Nádia Timm -Como é a pesquisa que você desenvolve?


Elyeser Szturm -O que eu tento, como diz a Diana Domingues – tem até um livro dela que foi lançado no ano passado - , é a humanização da tecnologia. Eu pego um objeto técnico chamado televisão, vídeo e tento dar uma outra abordagem para este objeto. Tento incorporá-lo ao mundo imaginário, nos dois sentidos, da imaginação e da criação da imagem.

 

Nádia Timm -O que significa o alardeado fim da pintura? O Siron Franco é um artista que se projetou como pintor numa época em que pintura figuritiva era quase uma heresia, como você analisa isto?


Elyeser Szturm -O Siron parece se sentir bastante incomodado. Eu vi uma entrevista dele lá, no Rio, dizendo que Hélio Oiticica e a Lygia Clark queriam destruir a pintura, a arte, que era o momento de revolução, etc. e que isto – de certa forma teria motivado o trabalho dele.

Acabei de mandar um quadro para Portugal e que tem a ver com o meu trabalho, que é o meu lance, trabalhar em cima da paisagem, da natureza. Não acho que a pintura, o seu lugar privilegiado na história da arte, se deslocou. A pintura perdeu a importância decisiva que tinha, para discutir o que é a história da arte hoje e o que é fazer arte hoje. Eu continua a Ter algo a dizer, só que alcance, a importância do ato de pintar, não é mais a mesma.

Nádia Timm -Como professor de arte você está em contato direto com as novas gerações. Como anda a cabeça da juventude em relação em relação à arte, que expectativas tem...?


Elyeser Szturm -Olha, eu até brinco dizendo que samba não se aprende na escola. A maioria dos artistas que eu conheço é autista, quer dizer se auto-intimula artista e começa a agir. Mas, na verdade, na verdade, eles têm toda uma postura, um gestual, um comportamento social que você pode rotulá-los de artistas.

Acho que artista é aquela pessoa que consegue comprovar o seu talento. Não basta Ter um insight de vez em quando... Artista é aquela pessoa que precisa fazer alguma coisa. Que tem a necessidade interior, pessoal e intransferível de fazer alguma coisa. Se aquilo for bom ou ruim, vai descobrir depois.

Nádia Timm -Em geral, o ensino das artes plásticas no Brasil, nas universidades, está mais sintonizado com a arte contemporânea?


Elyeser Szturm -Depende do lugar. Mas eu acho que sim. Na UnB eu garanto que sim. E o pouco que sei da UFG me parece que estão dando aulas aí, mesmo que não façam exatamente arte de investigação. A arte contemporânea é uma arte de experimentação, que não se satisfaz com o que está decidido, que quer trafegar em cima daquilo que eu falei antes, dos limites. Mas o pessoal sabe o que é arte contemporânea e tem condições de dar uma formação para os meninos.

Nádia Timm -O artista plástico Angelo Venosa escreveu em O Globo que achou o Salão Nacional do Rio de Janeiro este ano, tão homogêneo, que qualquer obra poderia Ter sido premiada. Seria um efeito da globalização?


Elyeser Szturm -Eu até concordo com ele. Mas não poderia premiar qualquer uma, não. Eu não acho que o meu trabalho, especialmente, merecesse o prêmio mais do que outros. Eu entendo o que ele quis dizer, mas acho que foi blasé demais... Tipo assim “qualquer coisa”. Não, não é verdade. Tem um monte de coisa ali, na minha opinião, que são equívocos.

 

Nádia Timm -Esta homogeneidade quer dizer falta de originalidade?


Elyeser Szturm -Não sei o que quis dizer. Acho que esta homogeneidade não é uma questão de originalidade não. É engraçado, porque ele é um artista contemporâneo que está falando uma coisa, usando um argumento, fazendo uma constatação que é muito usada na Europa pelos conservadores, pelos inimigos da arte contemporânea.

E ele faz arte contemporânea. O trabalho dele, se estivesse na Salão, poderia tranqüilamente ter sido premiado. Existem várias obras ali que são tentativas pessoais de buscar uma linguagem em cima de questões que são tentativas pessoais de buscar uma linguagem em cima de questões que são universais.

Então, naturalmente, vai haver uma afinidade de postura, de atitude, de abordagem . Por aí eu concordo com ele. Mas acho também que esta homogeneidade existe, como sempre existiu. A não ser que ele queria que um paraense faça arte em cima da Amazônia ou que um goiano faça em cima do pequi.

Nádia Timm -Na próxima Bienal de São Paulo o conceito da antropofagia será retomado pelo curador Paulo Herkenhof. Depois de mais de 50 anos estas questões continuam atuais, como vê isto?


Elyeser Szturm -Não acho que estas questões sejam tranqüilamente resolvidas. São questões sobre a origem cultural do Brasil e serão revisitadas permanentemente. Elas serão recolocadas de outro modo, mas vão ser retrabalhadas durante muito tempo.

Até que o Brasil mude a sua estrutura social e política. Se o Brasil mudar, será porque estas questões foram bem-colocadas, foram bem-formuladas e bem-respondidas. Isto fica claro no livro Verdade Tropical, de Caetano Veloso. Acho que a antropofagia vai pairar na nossa cultura por muito tempo. Ela é um insight que Oswald de Andrade teve, um insight estrutural, de caráter antropológico. Não é apenas um prisma. Ele foi, literalmente, na raiz dos problemas da cultura brasileira. A antropofagia veio pra ficar.

 

Nádia Timm -Como um artista goiano é visto e tratado?


Elyeser Szturm - Eu sou muito goiano, não nego de jeito nenhum. Na última Bienal tinha uma menina de Brasília que me disse: “mas você não é goiano?” eu disse: “como assim, eu não estou entendendo?” Aí ela se explicou assim: “é porque você entende pra caramba de arte contemporânea, você morou em Paris”.
Respondi: “sim, mas eu sou um goiano cosmopolita”. Olha, existe um preconceito muito grande. Inclusive agora, lá no Rio, quando fui receber o prêmio, o pessoal estava enchendo meu saco porque sou goiano. Outra coisa que mais perguntam, quando ficam sabendo que eu moro em Brasília, é como agüente morar naquele “lugar horrível”. Eles têm muito recalque porque Brasília tomou a capital, né? Aí respondo que sou um jeca eletrônico. Foi a vitória do jeca eletrônico.

 

Nádia Timm -Então você assume que é um goiano de pé rachado?


Elyeser Szturm -Sou um comedor de pequi militante, aliás o meu trabalho todo é em cima do planalto central, do cerrado, da chapada. O mato, pra mim, é fundamental. Eu tenho uma relação profunda com a natureza, com a nossa cultura. A minha mãe é de Planaltina, eu como paçoca, pamonha, esses trens. Eu sou muito orgulhoso de ser goiano e não poderia fazer o trabalho que faço se não fosse goiano. E é indesligável do meu processo criativo, mas que a gente tem muita babaquice, tem.

 

Nádia Timm -Qual o significado deste prêmio no Salão Nacional?


Elyeser Szturm -Acho que este prêmio é uma força para a arte contemporânea em Goiás, em Brasília e para a arte que não veio para enfeitar parede de madame jeca.

 

Nádia Timm -Qual seu recado para os responsáveis pela política cultural em Goiás?


Elyeser Szturm -Se eles ficarem construindo Cristos Redentores, eu nunco mais converso com eles. E como nunca conversei, vão ficar aliviados. Aliás, estou chocado. Espero que a política cultural deles seja menos voltada para o céu do Cristo Redentor – já tem um, muito interessante, no Rio de Janeiro – e seja mais voltada para o chão goiano.


Outra coisa que me magoou profundamente. O Darci Accorsi foi meu professor de filosofia e uma das maiores decepções minhas foi aquela história de Goiânia Country.

Não há nada mais jeca, no pior sentido da palavra, do aquela coisa. Acho que o goiano no mau sentido, é tão intimidado nos sues valores que desconhece o que é ser goiano. É aí que a antropofagia tinha muito a dizer pra nós, goianos.

É ir na estrutura do que é ser goiano. O goiano é tão massacrado, que quando vai fazer cultura, imita um presente europeu pro Rio, que foi o Cristo. Um absurdo.


Nós precisamos criar os nossos próprios símbolos, nossas próprias referências. Como a literatura fez muito bem, provavelmente o Maguito não tinha lido Bernado Élis, Carmo Bernades, Hugo de Carvalho Ramos. Ou não sabe quem é Siron Franco, não sabe quem é Poteiro, Cléber Gouvea... Estas pessoas é que estão ciando o imaginário em Goiás.



entrevista realizada em 1998
eNT...

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eNT . Revista Eletrônica Nádia Timm . 2006