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Jibóia zen Por Nádia Timm
Ela escreveu: “Ainda que tivesse todo o tempo do mundo, seria pouco. Ainda que o mar, os abismos estivessem no quintal e entre o céu e a terra houvesse um vão que cortasse o planeta ao meio. Ainda que a terra virasse gelo e o fogo do sol, o olhar de algum deus. Ainda assim, olhando teu retrato no monitor do PC te sinto e me rendo ao amor”. Fechou o computador e foi deitar. Naquela tarde, ela jiboiava. Era o efeito do amor. Estivera com o amado e se derramado a tarde inteira, entregue às sensações do corpo. Sentia-se nas nuvens, vibrando, em vôo, feito um anjo cheio de ardor, no teto da capela. Sentia-se alimentada, digeria o gozo. Plena, feliz, viva. Podia começar a guerra mundial, nada lhe tiraria aquele maravilhoso efeito. A digestão do prazer, devagarzinho. A languidez que atravessava os dias e noites se esparramava feito espuma de ondas de mar calmo. Distante de Beirute incendiada, pra lá dos bombardeios de Bagdá. No coração do Brasil, ela era a jibóia saciada que engoliu o amor e subiu aos céus. Serpente voadora, enrodilhada nas galáxias, boiando no nada cósmico, absoluto prazer do ser. A noite silenciosa abria espaço para os enlevos do coração. No corpo, ainda havia sinais de que o bem-amado a visitara. O perfume e um rastro de delicadezas, de toques sutis permaneciam reverberando, ressoando feito um gemido em uma caverna, ecoando sons do êxtase. O que seria possível dizer? Como explicar aquele brincar de amor que se desdobra entre lençóis e no silêncio da paz, sempre mais, gozo renovado. Ao acordar, lembrou de uma fresta do sonho: quem seriam aquelas pequenas criaturas, com olhos de cristais, a espiarem entre as folhas da jaqueira? Flutuavam e emitiam delicados sons, canções em zunidos, zumbidos doces de colibris. Só haveria espaço para o que fosse real. No palco da vida havia vida sim, profundidade do amor, verdade, essência. Palavras que perfumam feito flores e frutos. Mas quem eram aqueles seres que serpenteavam nos muros, feito minis dinossauros, miniaturas de dragões, lagartos velozes a espionar o sono? Bichos de quintal, da floresta encantada de sua infância, da Floresta Negra de nossa Europa esquecida nas fotografias dos avós. Ainda sonhava. Novamente, tinha fome do corpo dele. O desejo de amar traz a alegria de viver. Fazem amor, versos e silêncios. O dedo desenha no ar a espiral do prazer. O traço invisível ensina o simples circular do movimento da energia. Para cima, ou para baixo, depende do que? Olha para o teto branco e fecha os olhos. Enrodilhada no corpo dele - do amado - ela ainda sente o movimento, o calor, os líquidos, o fogo invisível. Expande mais, além, flutua e relaxa. Logo, a jibóia adormece. A tarde é quente.
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eNT . Revista Eletrônica Nádia Timm . 2006 |