Grande-Hotel, baluarte

histórico-cultural de Goiânia

Moema de Castro e Silva Olival

“ O espírito do lugar deve corresponder ao lugar do espírito”.
Vergílio Ferreira.(neo-realista português: ficcionista e ensaísta).

Goiânia já é celeiro de passado e de futuro!... Já abriga a história, e já se conscientiza do deslanchar-se para a modernidade!...Parece surpreendente que uma ainda jovem capital-de apenas 72 anos-já tenha a condição de recolher, em seu perfil histórico, a tríade de uma cronologia existencial: passado-presente-futuro; três em um, em montagem cinematográfica, a prever uma caminhada surpreendente.

Não seria o espírito do urbanista Atílio Correia Lima, em guarda, a escudar sua obra prima, Goiânia, burilada em estilo art-déco a ensejar um tempo que vai além do cronológico de sua criação, o tempo universal das artes, em geral.


Explico: nas suas ruas, praças, lagos, rios e, sobretudo edifícios e monumentos, tresanda um clima de expectativas urbanísticas, patrimoniais, ecológicas atualizadas, em ritmo de devir, as quais, se ainda nem sempre amadurecidas e valorizadas, provocam a busca da conscientização cívica e cultural.

Porque, sabemos, exercitar a memória é dever de cidadania. E o IPHAN, está aí, vigilante; e o IHGG, e a AGEPEL, e a Secretaria Municipal de Cultura, e as Academias de Letras, sobretudo as tradicionais, a saber: Academia Goiana de Letras e Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, e o CENART, e os Museus, e tantas outras instituições.


Em foco, hoje, o Grande Hotel, figurando entre as principais construções pioneiras desta capital e, agora, revitalizado, em nova estruturação cultural, pelo CENTRO DE MEMÓRIA e REFERÊNCIA do Município.

Inaugurado, oficialmente, em 23/02/37, quando se tornou, à época, o santuário representativo dos contatos da jovem capital com o “ exterior”, a saber, os demais estados da Federação, o Grande Hotel abrigou nomes ilustres, sobretudo quando da realização de congressos, como em 1942- ( batismo cultural de Goiânia); em 1954 ( congresso nacional de intelectuais quando aqui estiveram, entre as celebridades estrangeiras e nacionais, Pablo Neruda, Monteiro Lobato) além de contar, entre seus hóspedes, os engenheiros que aqui vieram para construir Goiânia,em especial, Lúcio Costa e os irmãos Coimbra Bueno, histórico já bastante conhecido.


Presenciou, em seus salões, - como testemunha competente do processo de formação de nossa sociedade - reuniões e festas marcantes segundo nos relata Ofélia Sócrates do Nascimento Monteiro em Como nasceu Goiânia.( São Paulo: Empresa gráfica da “ Revista dos tribunais”, 1938).


É um delícia, para nós, pioneiros, ver os trechos em que a autora desvenda o que de provincianismo e, também de ousadia a prenunciar os novos tempos, se registra no desenrolar de festas como o primeiro carnaval (1936), ou o primeiro Reveillon, no mesmo ano.

Após alguns anos desativado, o Grande Hotel - “um dos mais glamourosos patrimônios em art déco de Goiânia” - reabriu suas portas, fato ocorrido a seis de maio de 2004- ( em sua restauração, foram respeitados os padrões da arquitetura original, como orienta o projeto Cara Limpa, que tem, como meta, revelar a beleza do centro da

cidade, segundo nos informa matéria do Diário da manhã, em texto postado por Leandro Coutinho, em 15/03/2007)- com a inauguração da edição Casa Cor Goiás. Depois que a Casa Cor foi encerrada, em 6 de julho, a Prefeitura de Goiânia firmou um convênio com o órgão proprietário do imóvel e lá instalou o CENTRO DE MEMÓRIA E REFERÊNCIA, tendo em vista preservar e possibilitar a pesquisa da história e das produções culturais da capital.


Hoje, sob a dinâmica direção da escritora Márcia Ferreira, este Centro já abriga biblioteca com acervo bibliográfico ainda incipiente, é verdade, aguardando participação e doação de livros de nossos escritores- sala de leitura, já promovendo lançamentos e outras iniciativas culturais.

Tive o prazer, agora, ( 16/03/2007) de rever suas instalações, já por mim conhecidas desde 1935-1936, quando, juntamente com o jurista e historiador Colemar Natal e Silva e a advogada e escritora Genezy de Castro e Silva, meus pais - ele sendo da Comissão de Mudança da nova capital - nós, crianças deslumbradas com o novo ambiente, eu e minha irmã Mariza, fomos hóspedes deste histórico hotel, enquanto aguardávamos providências para liberação do sobrado da rua vinte que nos seria destinado, dentro das exigências impostas pelo Governo aos primeiros pioneiros, futuros proprietários dos poucos imóveis já construídos.

Sobre este sobrado – hoje “ Casa Colemar Natal e Silva”, como foi designada a partir de sua inauguração em 1989, comemorando os cinqüenta anos da fundação da referida Instituição - peço licença para transcrever pequeno trecho de minha crônica, reproduzida pela revista da Academia, (revista n. 23, ano 2000 ), já que nosso assunto, hoje diz respeito à memória da jovem cidade. A crônica se intitula:
“ O Sobrado rosa da rua vinte: sua aura.”

“Um título que ressumbra a mistério e magia e cuja referência se justifica no sentido de intensificar o halo desse sobrado que está lá, na esquina das ruas vinte e quinze, rosamente déco, magistralmente soberbo, genuinamente goiano das décadas de trinta e quarenta, registro número um em cartório da Nova Capital.


Se estudos urbanísticos modernos mostram que a rua é o espaço que complementa o perfil da casa e de seus moradores, (estilo e atividade sócio- econômico- cultural), não poderia estar melhor instalada que nessa histórica rua vinte, que abrigou número sugestivo de pioneiros da cidade que nascia, saudando, em nuvens de poeira vermelha, os intrépidos novos bandeirantes.”

Voltemos ao Grande Hotel, isto porque encontro grande analogia entre o exposto logo acima, e o enorme prédio, primitivamente também rosa, também de um rosa déco, como já foi dito, pioneiro de nossas primeiras etapas no processo de amadurecimento sócio- político- cultural, dentro dos parâmetros modernos, e situado ali, numa de nossa mais belas avenidas, a avenida Goiás, a que traz o nome do Estado, e ornada pelos rubros flamboyants, a flor que já foi símbolo da cidade, no canto de nossos poetas.

 

Dele, revivi impressões que me bateram forte: ao lado da lembrança de seus salões ( considerados, à época, enormes), a de sua sacada, ( aliás, as sacadas nos prédios pioneiros tiveram seu papel histórico, sendo lugar de onde se presenciava todo o movimento emergente daquela cidade em formação).

Dela, quantas vezes, assistiam, impávidas, nossas autoridades, aos desfiles escolares em época de comemorações. Dela, discursaram políticos, no arrebanho das massas.

Até ela, subiam os cochichos dos apreciadores das manhãs e das noites, dos negócios ali engatilhados, dos cochichos amorosos, ás vezes sentados em mesinhas de vime, ou mais tarde, ao cair da noitinha, perfilados ao longo do espaço da frente do hotel, ao lados dos namorados, que assistiam pressurosos ao “ footing” de suas belas candidatas.


E é o que, emocionada revivi, lá da sacada, na noite da inauguração da sala de leitura, do Centro de Memória, com noite de autógrafo da poeta e escritora Alice Spíndola, quando, em palanque levantado na calçada do grande Hotel, frente a dezenas de expectadores, sentados em mesinhas estrategicamente colocadas, e que tomavam parte da avenida - naquele momento interditada para a cerimônia - quando, pois, o grupo musical Alma Brasileira se exibiu, apresentando, com maestria, números do Clube do Choro, com violão, flauta e percussão, sendo, a atração, parte do projeto Grande Hotel Revive o Choro.

 

Também, foi inaugurado um painel de escritores ( pelo que me informaram, cerca de mil nomes, a maior parte recolhida a partir do Dicionário do Escritor Goiano, do poeta, cronista, pesquisador e dicionarista José Mendonça Teles - reedição 2006); escritores que enriquecem nossa literatura.


Portanto, está de parabéns nosso Centro de Memória e Referência, a diretora Márcia Ferreira e sua equipe, o atual Secretário de Cultura do Município, escritor Kleber Adorno, por mais esta iniciativa de incrementar nosso interesse no espaço da cultura.


Se, da sacada histórica, pudemos reviver flashes de um passado que se fez presente, agora, na sala de leitura, preparemos, pela argamassa sólida do saber, os dias futuros da nossa capital, lembrando, aos escritores, poetas, historiadores, que, enriquecendo seu acervo, graça à doação de seus livros, muito contribuiriam para a meta sonhada do crescimento cultural da “ainda jovem” Goiânia.

*Moema de Castro e Silva Olival é escritora, crítica literária, ensaísta.

março/ 2007

 

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