O mundo é a bola

Aldo Antonio de Azevedo

Trata-se de um jogo de polarizações, no qual o senso comum do cotidiano dos brasileiros se alterna com a razão que comanda a realidade social e política do país, mesmo que essa realidade tenha menor importância para o torcedor, ainda mais em época de Copa do Mundo.

O futebol mexe com o nosso imaginário popular, de tal forma que provoca exacerbações e estados de depressão incomuns no mundo real. Em se tratando de Copa do Mundo, até mesmo quem não entende de futebol transforma-se num profundo conhecedor do metier da bola.

O esporte é também um objeto de estudo maldito. Na visão dos intelectuais, dentre os quais me incluo, paixão e razão traduzem a visibilidade dessa adorada maldição.

Há muitas contradições em jogo, ideologias em conflito, dramas da vida e de uma guerra; pois, afinal, é olhar um fenômeno social complexo.

Se é bem verdade que o futebol é tido como o "ópio do povo", é preciso relativizar os limites e as possibilidades de tal afirmação.

Talvez, esse esporte seja a única diversão e o principal lazer das classes menos favorecidas. É também verdade que na época da copa essa "alienação", no sentido marxista, assume significações visíveis; pois, a população brasileira torna-se hegemônica, criativa, única, passível de comportamentos imprevisíveis e, acima de tudo, apaixonada.

É típico da relação da torcida brasileira, um sentimento de êxtase e de ansiedade, nos momentos que antecedem os jogos da seleção. É elucidativo ver como em tal relação o nome "Brasil" sempre contou com grande mobilização em prol de uma luta.

Por outro lado, é frustrante ver que essa mesma população não se mobiliza por outras denominações "Brasil", para lutar por saúde, segurança, educação, trabalho, ética na política e combater as desigualdades sociais. Seríamos imbatíveis, não!

São inúmeras televisões ligadas, o país pára e paga pra ver! Laços familiares são reatados, sentimentos aflorados, lares e bares lotados.

Até as mulheres tornam-se comentaristas e fazem o papel de técnico. O futebol é assim! Imponente, um vício, um jogo que se confunde com a vida, a tragédia, a alegria.

É tão emblemático para o brasileiro, que em um momento de crise de violência nas prisões paulistas, se os presos são proibidos de usar telefones celulares, por outro lado, reivindicam televisões para assistirem à Copa do Mundo. Desse modo, não é de se estranhar que o futebol consiga penetrar até em calabouços rebelados.

Mas, ainda que esse esporte consiga nos transportar para um mundo paralelo, é bem verdade que é preciso torcer para que os pacotes econômicos do governo, os aumentos de gás, luz e telefone não sufoquem os brasileiros em seus lares, a ponto de não perceberem que tudo tem um preço.

De qualquer forma, para o brasileiro isso é muito pouco perto da grandeza do futebol, que traz em si a ginga, o jeitinho e a malandragem para se esquivar dos problemas reais! Talvez, por isso, o futebol seja um autêntico espaço da cultura popular.

E os ídolos? Lembro que até a conquista do mundial de 2002, fizemos de Senna, de Guga e do time de voleibol algumas de nossas referências para preencher o vazio das copas sem títulos e de outras perdas.

Hoje, temos até ginasta e astronauta com projeção internacional, mas nada que se compare aos ídolos do futebol.

Carecemos sim de líderes e representantes fiéis, que vistam a camisa do país e se comprometam com a redenção do povo sofrido e mal pago! Daí, que os Ronaldos, o Robinho, o Kaká, o Juninho e companhia são os embaixadores do momento.

E o hexa? Só nós poderemos! Eis, então, a nossa vingança! É essa a nossa identidade e o cartão de visitas mais visível, ainda que o samba, o carnaval, o axé do povo e as mulatas estejam aqui. E, mesmo que o "futebol seja uma caixinha de surpresas", diz o povo que “Deus é brasileiro”!

Assim, o futebol é potencialmente capaz de criar a unidade na diversidade, a ilusão em meio a verdade e a paixão para unir a cidade. Trata-se de uma relação poética e política, um matrimônio em que não há divórcio.

Então, na vitória e na derrota, na pobreza e na riqueza, na saúde e na doença, que o povo brasileiro se case mais uma vez com a seleção, a nossa menina dos olhos do momento, a namoradinha do mês de junho, a noiva da moda, a redentora do povo brasileiro, sofrido e desamparado.

Enfim, existe uma relação de cumplicidade alucinada, um pacto de paixão, entre o brasileiro e o futebol, que, certamente, assumirá uma visibilidade intensa na Copa do Mundo. Se o mundo é uma bola, a bola é o mundo para nós.

 

eNT...

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eNT . Revista Eletrônica Nádia Timm . 2006