Um deus que não sabe dançar

No Rio de Janeiro, há alguns anos assisti à exposição de idéias do bispo candidato a governador e fiquei assustado com a moralidade retrógrada, a falta de graça, a ausência de sensualidade e humor, a tentativa subliminar de impor regras, as regras em que ele acredita.

Fosse governador do Rio de Janeiro e os cariocas acabariam concordando com o filósofo alemão Nietzsche, que só acreditaria num deus que soubesse dançar.

O do tal bispo carioca não sabe e ele tentaria, com certeza, impor ao povo a rigidez com que encara a vida.

Mas, com todo seu discurso moralista, dançou no ano passado na CPI dos Correios.

Ele e outro bispo, seu braço direito, foram comprovadamente beneficiários do dinheiro sujo e um deles renunciou, chorou diante das câmeras de tevê, negou tudo, mas teve de voltar ao púlpito de sua igreja.

Seus fiéis podem ter perdoado seus roubos, mas não viram a cor do dinheiro que ele conseguiu com seu cargo político.

Esta semana os jornais dão conta de que o presidente da Assembléia Legislativa de Goiás foi indiciado por peculato e estaria envolvido, segundo a polícia, com repasses de dinheiro a funcionários fantasmas, todos nomeados por ele mesmo e organizados por seu irmão pastor de uma igreja.

Muitos fiéis recebiam dinheiro do povo através de salários da Assembléia Legislativa e repassavam ao tal pastor.

Não estou inventando nada, são dados colhidos em O POPULAR, divulgados pela polícia.

Roubos e falcatruas já não assustam mais ninguém no País, o que ainda provoca susto e indignação é essa associação entre política e religião.

Esses senhores criadores e seguidores das novas Igrejas conseguem amealhar grandes fortunas usando o nome de Jesus e a boa fé de ignorantes facilmente cegados pela rigidez das doutrinas e a promessa de privilégios divinos conforme o dízimo que pagam.

Penso que o leitor sabe que Igrejas são isentas de pagamento de impostos.

Não entendo.

Como também não entendo por que alguns jornais do País não permitem que se toque nesse assunto.

Passa da hora de mexer nesse vespeiro como já mexemos em tantos outros para separar os zangões das abelhas.

Religião é uma coisa, política é outra.

Misturar uma e outra é usar a primeira para camuflar as falcatruas da segunda.

Fico matutando sobre o que pretendem os evangélicos ao mergulhar na política... Agradar a Deus, certamente não é.

Deus, há séculos, é desagradado suficientemente por fanáticos que praticam barbaridades em seu nome e seitas que até induzem seus seguidores ao suicídio para chegar até Ele mais depressa.

Não deve se sentir muito glorificado com essa invenção humana chamada política.

A história das civilizações comprova que sempre que os homens misturaram política e religião o resultado foi catastrófico.

Salazar, o violento ditador que subjugou Portugal, governava respaldado pela Opus Dei, entidade da Igreja Católica que representa o que há de mais conservador no mundo.

Da mesma maneira o general Franco, carrasco da Espanha, se orgulhava de, entre um assassinato e outro, ser visto piedosamente assistindo a missas solenes na catedral de Madri.

Ambos, ao misturar política e religião conseguiram camuflar seus roubos e assassinatos sem que ninguém pudesse censurá-los ou levá-los a julgamento – afinal, eram religiosos e supostamente tementes a Deus.

Não tocar nesse assunto, não escrever sobre ele, dá aos evangélicos uma blindagem supostamente religiosa que lhes permite fazer o que quiserem ao ingressar nessa arte terrena que é a política.

Por que são diferentes quando cometem os mesmos erros que qualquer um? Falar dos maus e ladrões não significa que nas Igrejas, quaisquer Igrejas, não existam os honestos, os que lá estão porque precisam se sentir próximos de Deus.

Os canalhas, sim, usam o nome de um deus que não sabe dançar, se escondem atrás dele, bem diferente do Deus alegre e generoso que é respeitado e glorificado pelos honestos e os de boa fé desde sempre.

 

Marcos Fayad é ator e diretor de teatrobomcombate@uol.com.br

 

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eNT . Revista Eletrônica Nádia Timm . 2006