Equívocos

continuação


Vejo aqui em Goiânia estudantes se reunirem para demonstrar seu descontentamento contra o poderoso político americano com gritinhos nos megafones e distribuição de bananas aos participantes num ato mais ridículo que produtivo- protestos equivocados, o homem não tomou conhecimento e cumpriu sua rota e suas metas impávido colosso sem saber que nas ruas os meninos urravam suas frases de efeito duvidoso.

Os sindicatos, o MST, algumas outras organizações brasileiras gastaram a mesma energia em atos inócuos e inúteis.

Nada disso seria passível de críticas se, da mesma forma, estudantes, sindicalistas e povo em geral também se manifestassem contra a corrupção desenfreada dos nossos próprios políticos, contra a inércia de certos governantes absolutamente despreparados para governar, contra a roubalheira geral que nos assola, contra a violência que se espalha até mesmo pelas pequenas cidades brasileiras.


Contra anos de todas essas calamidades que nos são impostas diariamente nada se vê em protestos de ruas. É como se todos estivessem satisfeitos, como se o vilão fosse apenas o idiota do presidente de um País imperialista e não os indigentes mentais que elegemos e que nos submetem aos maiores descalabros e indignidades.


Enquanto se mobilizam contra o Bush, aqui em Goiás assistimos pela TV o fechamento com cadeados dos Centro Cultural Martim Cererê e Gustav Ritter vítimas dos cortes financeiros do governo e a dispensa de centenas de funcionários que ainda tentavam mantê-los funcionando.

Foram extintos o Balé do Estado, a Orquestra de Violeiros, o Instituto Goiano do Livro, a Orquestra de Câmara Goyases e não se vê um pio de nenhuma instituição, nenhum grupo de artistas, nenhum estudante ou intelectual – consideram que protestar contra o Bush é mais importante que espernear contra esses abusos na área cultural perpetrados na nossa cara.


Como se não bastasse, impõe-se sem nenhuma consulta aos interessados a nova presidência da Agência Goiana de Cultura.

Quem tem boa memória sabe que se vivemos agora tempos negros, havemos de viver trevas totais nos próximos anos baseados nos últimos acontecimentos não-culturais por aqui.


É só observar o clima de desânimo geral entre as pessoas que fazem a cultura em Goiás para perceber que nuvens muito pesadas se avolumam no ar e não serão resolvidas com meras declarações de boas intenções.


A cultura funciona em todos os lugares como antena por ser mais sensível às mudanças de um povo e suas perspectivas futuras.

A história atesta que todas as boas vibrações dessa área no governo Juscelino impulsionaram o entusiasmo em todas as outras áreas e, ao contrário, mergulharam o País nas trevas durante a ditadura que se seguiu ficando o País nas mãos de trogloditas incultos e insensíveis.

Como se sabe, a primeira coisa que as ditaduras destroem é a cultura – depois dela o resto fica fácil, segundo a lógica dos ignorantes.

Se não vivemos mais numa ditadura vivemos o tempo dos interesses escusos gerados por conexões que não levam em conta o desenvolvimento da cultura, mas os compromissos com partidos políticos e as coligações que exigem cargos nos governos para manter seu status.


O relógio dos governos, todos passageiros, marca o tempo atual, mas é a cultura de um povo que marca a eternidade.


Já em 1855 Walt Whitman afirmava: “Cidade grande é aquela onde se vê a mais encorpada geração de artistas e poetas; onde se vê a cidade que é por eles amada e por seu lado os compreende e ama, é aí que cresce a grande cidade.”


Estão negando isso e nos conduzem a trote rápido para o cemitério cultural.


Pelo que se lê no jornal já começaram os funerais.


E o mais triste disso tudo é que enquanto destroem as conquistas culturais que conseguimos nos últimos anos, os bares estão repletos de homens e mulheres vazios como se nada estivesse acontecendo; os estudantes se mobilizam para distribuir bananas contra a visita de Bush como se seu futuro não estivesse ameaçado aqui mesmo dentro de sua casa, naquilo que o homem tem de mais seu: sua identidade, sua cultura.


Quem pensa tem duas opções: seguir o próprio enterro ou se levantar do caixão enquanto é tempo.

Marcos Fayad é ator e diretor de teatro
bomcombate@uol.com.br

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eNT . Revista Eletrônica Nádia Timm . 2007