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Filosofia da religião

Como área de conhecimento acadêmico, a Filosofia se propõe a esclarecer e aprofundar os conceitos pressupostos nas mais diversas atividades humanas e esferas da realidade. Para tanto, ela parte de uma atitude de crítica e questionamento, de admiração e inconformidade com o que parece óbvio para a maioria.

Mas a Filosofia não é só pergunta, pois a pergunta não tem sentido senão como busca de resposta e é por isso que uma etapa imprescindível do trabalho filosófico é a apresentação de idéias alternativas àquelas que foram questionadas do senso comum.

Por sua vez, a proposta alternativa de um filósofo vai também ser objeto de questionamento por parte de outro filósofo. Essa seqüência, que para alguns parece interminável e “não levar a lugar algum”, revela um traço característico dessa área do conhecimento humano: o que se aprende com o estudo da Filosofia é um debate, ou seja, as principais teses e antíteses defendidas acerca de um assunto que ajudam a compreendê-lo melhor conceitualmente e a vê-lo segundo uma perspectiva diferente daquela que se tinha antes.

É por isso que um bom curso de Filosofia da Religião não vai apenas defender uma determinada idéia em assuntos religiosos. A Filosofia acadêmica não deve pretender convencer ninguém de tese específica nenhuma.

O filósofo da religião não é um pregador apologista, assim como o (bom) filósofo político não é alguém que quer convencer seus alunos de suas próprias convicções políticas. Quanto mais amplas e mutuamente críticas as perspectivas de discussão que forem abertas, melhor terá sido cumprido o papel da Filosofia para a compreensão dessas atividades humanas.

Assim, um filósofo da religião pode ser ateu ou agnóstico na sua vida pessoal (o que, diga-se de passagem, não é o meu caso!), mas é seu dever apresentar ao máximo os lados envolvidos na questão. Embora o filósofo da religião deva também conhecer o fenômeno religioso sobre o qual está refletindo, seu compromisso é com a razão argumentativa, o esclarecimento das questões e o aprofundamento da compreensão conceptual.

São muitas as maneiras pelas quais a Filosofia aborda o fenômeno religioso, pois são muitas as facetas dessa atividade humana tão rica e influente. As religiões têm, por exemplo, uma concepção acerca do que seja a realidade em termos fundamentais, que é objeto da área da Filosofia que, desde a antigüidade, chama-se “Metafísica”.

As religiões monoteístas pensam ser Deus essa realidade fundamental, e o conceito de Deus e os argumentos racionais contra e a favor à Sua existência são temas mais que tradicionais na história do pensamento filosófico. A relação entre religiosidade e liberdade ou autonomia da ação humana é um outro tema que interessa ao filósofo da religião.

Quanto a isso, por exemplo, filósofos críticos da religião como contrária à liberdade humana, como Marx, Nietzsche e Sartre são objeto de elaboradas discussões, também contra e a favor às suas idéias. Isso sem contar as considerações em torno do tema da racionalidade da crença religiosa, do papel da expressão artística e do sentimento na atividade religiosa, entre outros tantos tópicos.

Enfim, em termos históricos, a discussão filosófica sobre temas que envolvem a religião surgiu quase ao mesmo tempo que a Filosofia como área do conhecimento e está presente em todos os grandes períodos nos quais as contribuições a essa disciplina são tradicionalmente classificados e, em termos sistemáticos, ela se relaciona a todas as principais problemáticas filosóficas, da Filosofia da Linguagem à Estética, da Teoria do Conhecimento à Filosofia Política.

A religião é, sem dúvida, uma atividade muito importante e que merece ser profundamente levada a sério, pois se propõe a apresentar respostas e dar significado para a vida humana como um todo. Sendo assim, qualquer contribuição para seu melhor entendimento e o aperfeiçoamento da compreensão das suas interações com outras esferas da vida deveria ser bem-vinda. É por isso que vale a pena discutir religião.

Ainda são relativamente poucas e dispersas as pesquisas nessa área no Brasil. Contudo, já se desenvolvem ações no sentido de que em breve não precisaremos mais mandar ninguém para doutorados no exterior só porque falta uma reflexão de boa qualidade sobre esse assunto sendo desenvolvida aqui.


Agnaldo Cuoco Portugal é professor adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília (UnB). É doutor em Filosofia pelo King’s College da Universidade de Londres (Inglaterra), presidente da comissão organizadora do I Congresso Brasileiro de Filosofia da Religião e membro do grupo de estudos em Filosofia da Religião da UnB (www.gpfr.unb.br).



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eNT . Revista Eletrônica Nádia Timm . 2006