(continuação)

O governo também tem culpa

por Roberto Piscitelli

Grande parte da responsabilidade por se ter chegado à situação atual decorre da falta de ação oportuna por parte do governo e das próprias relações obscuras entre o Poder Público e a empresa ao longo do tempo.

Em outras palavras, tem-se omitido o fato de que os problemas da companhia seriam de outra dimensão se ela não tivesse sido vítima dos longos e desastrados períodos de controle artificial e forçado das tarifas aéreas.

E, mesmo diante do reconhecimento judicial do fato, o Estado não quitou suas obrigações com a empresa, o que poderia, pelo menos, ter proporcionado alguma injeção de capital de giro, indispensável à sua sobrevivência e ao funcionamento, mesmo que precário.

Mas há outras questões que permanecem numa certa obscuridade, como, por exemplo, o fato de a Varig, pelo quase-monopólio nas rotas internacionais e pela forte associação com a marca do próprio país, ter mantido linhas deficitárias, antieconômicas, com países em relação aos quais o Brasil tinha interesse em abrir uma cunha, seja por razões de natureza comercial e financeira, seja com base em questões de caráter puramente diplomático ou estratégico.

Chama também a atenção a atitude de formal neutralidade do poder público durante todo o processo de deterioração da situação da Varig.

Isso não porque o Estado deva socorrer empresas falimentares ou mal administradas, mas porque o caso se revestia de características absolutamente peculiares, dadas a tradição e qualidade dos serviços prestados ao longo de décadas, as concessões internacionais, a imagem do país e o interesse estratégico pela nossa presença, numa fase de grande abertura – globalização – e consolidação junto aos diversos fóruns mundiais.

O governo brasileiro, tradicionalmente – e em particular por meio do BNDES –, tem feito aportes de recursos e promovido todo o tipo de renúncias fiscais em favor do capital: isenções e reduções de tributos, crédito subsidiado, participações no capital etc.

No caso em questão, o comportamento foi atípico, dando a entender que, se o capitalismo brasileiro tivesse usualmente o mesmo tipo de tratamento, não seria selvagem e seria muito mais próximo dos modelos praticados no mundo desenvolvido. Quem dera!

Mesmo durante a recuperação, as autoridades foram implacáveis, dificultando, aparentemente, as tentativas de transferência do controle acionário e a regularização do funcionamento da empresa. Os prazos concedidos, nas mais diversas circunstâncias, sempre foram extremamente exíguos.

Tem-se mesmo a impressão, em certos momentos, de que vários setores – públicos e privados – desejavam concentrar mais as operações de aviação comercial de passageiros.

A indústria automobilística, por exemplo, sempre mereceu mais atenção dos governos, a despeito de a situação da Varig envolver cerca de 10 mil empregos diretos.

O novo empreendimento tem todas as condições de prosperar, numa fase de notável expansão do setor no mundo inteiro.

Os novos controladores assumiram publicamente que honrariam os compromissos, em particular as milhas a que os clientes têm direito. Os consumidores, é óbvio, têm o direito de reclamar, e muitos tiveram grandes prejuízos.

Cabe, no momento, dadas as peculiaridades, aos órgãos de defesa do consumidor buscarem pacientemente soluções adequadas, que não contribuam para aumentar as dificuldades e permitam, ao longo de um certo período, dentro de um cronograma definido com um mínimo de razoabilidade, atender a essas demandas.

Todos têm razão, mas às vezes é necessário facilitar uma negociação, para que não sejam todos prejudicados. Caberá a esses órgãos exercer um papel cuja omissão das autoridades, na época oportuna, acabou por lhes atribuir.

Em médio e longo prazos, francamente, a sobrevivência da Varig – e até o surgimento de novas empresas – será benéfica aos usuários, a todos nós brasileiros. Afinal, estamos bastante insatisfeitos com a qualidade dos serviços e as tarifas praticadas, resultantes da falta de concorrência, mal crônico que assola o país em grande parte de suas atividades produtivas.

Quem é

Roberto Piscitelli é professor do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade de Brasília (UnB). É especialista em finanças públicas e já presidiu a seção DF do Conselho Regional de Economia (Corecon-DF).

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eNT . Revista Eletrônica Nádia Timm . 2006