Música do Brasil Sentimental

 

NT -Qual a relação da Música Caipira com a contemporaneidade?

AC - O escritor goiano Pedro  Gomes escreveu certa vez que a moda de viola era  o jornal do sertão, claro que  essa era a visão de sua época.

Era uma visão relacionada ao universo da comunicação e de sua relação com o homem do interior.

Muitos anos se passaram, aconteceram grandes mudanças de ordem social, no entanto, o homem brasileiro que tem consciência da importância de sua identidade cultural jamais vai abandonar suas raízes, as raízes culturais de seu  povo.

Em razão dessa consciência é que a cultura caipira está cada vez mais presente entre nós, mesmo nos grandes centros através de espetáculos que nos remetem a esse passado distante, ou por intermédio de uma marcante safra de  jovens  violeiros  que cada dia mais mostra a sua cara e talento.

Não gosto falar em causa própria, no entanto, apresento um programa de rádio com música caipira,  pela RBC-FM (Goiânia)  - que tem primeiro lugar em audiência no horário.

Outra prova é o espetáculo, “Puro Brasileiro” (um resgate da cultura caipira) com produção de Marcos Fayad, que faz sucesso tanto no Brasil, quanto no exterior.

 

NT - E com a identidade do brasileiro?

AC - No universo  temático da música caipira, o que prevalece é a Saga dos Boiadeiros, Tropeiros, Carreiros e Lavradores; o Misticismo; o Anedotário Caipira e, finalmente, as estórias trágicas de Amor e Morte (CaboclaTereza, por exemplo).

Assim, a temática dessas canções está   ligada

frequentemente  aos problemas da comunidade rural, seu comportamento, seu trabalho, sua religiosidade, seu lazer, seus reflexos sócio-econômicos, em síntese, reflete o universo interior do homem brasileiro, sobretudo, do interior, mesmo porque tais canções traçam o perfil e a identidade da gente brasileira.

NT - Por que o Centro-Oeste do Brasil se tornou um pólo irradiador?

AC - Pelo fato de sermos uma região central  e, durante muitos  anos distante dos grandes centros urbanos e de  sua modernidade,  penso que isso  nos possibilitou criar uma cultura mais pura, isenta de tantas influências responsáveis pela adulteração dos costumes de nossas comunidades.

Sendo assim produzimos uma música, cultivamos tradições como Folias, Congadas, Cavalhadas e outros folguedos com maior grau de autenticidade, originalidade onde foram preservados  em alguns casos elementos da cultura indígena, em outros  da cultura negra. 

Temos que considerar ainda a riqueza e diversidade  da cultura do centro-oeste, em Goiás, por exemplo, encontramos centenas de manifestações da cultura popular.

É muito bem provável que isso tenha nos dado  a  condição de um pólo irradiador, que continua ainda hoje por meio de outras manifestações culturais também.

NT -Quais são as características da Música Caipira? Qual o legado?

AC - A música caipira é a mais pura expressão do homem do interior presa ao modo do ser e do fazer  de uma comunidade.

A  autêntica música caipira tem como referencial o seu próprio mundo de trabalho, laser, religiosidade etc.

A autêntica música caipira está presente na dança da Catira, na Folia de Reis, Folia do Divino, Cururus etc.

Mesmo a moda-de-viola , denominação genérica do canto rural profano, não aparece senão acoplada   a esse universo temático.

O legado da música caipira  está principalmente  na permanente busca do reencontro com as nossas raízes culturais quer na música, no cinema, através de documentários, ou ainda por intermédio de nosso rico artesanato.

NT - O êxodo rural contribui para alterar os parâmetros deste gênero musical?

AC - Sim, é claro. O homem rural ao chegar na periferia das pequenas ou grandes cidades  é tomado  por um sentimento de nostalgia, saudade da vida do campo.

Fragilizado  - assume   comportamento,  influências  daquele  universo sócio-cultural,  fator decisivo para a  alteração daquela cultura original.

O próprio rádio, enquanto veículo de comunicação,  contribuiu muito também para esse processo de transformação e perda de identidade.

É interessante observar também que esse homem egresso do campo leva  consigo para as periferias das cidades a sua cultura.

Com ele vai o “artesão”, o “violeiro”, o  “folião”, por isso mesmo  temos até hoje  na periferia de muitas cidades a presença  de grupos de Folias de Reis ou do Divino.

NT - E o inverso... De que forma a Música Caipira influencia a Música Urbana?

AC - Se aqui entendermos por Música Urbana, como a “música sertaneja urbanizada”devemos dizer  que essa “música sertaneja urbanizada”  foi recriada a partir da música caipira, extraindo inclusive alguns de seus elementos básicos do ritmo, da temática e da forma de cantar em duplas. 

Só que ao contrário da música caipira, “a música sertaneja urbanizada’ está voltada muito mais para o lucro, para  o forte apelo da indústria cultural.

NT - Como avalia o papel da indústria cultural nas últimas décadas?

AC -Ninguém poderá jamais ignorar a força e penetração da “musica sertaneja urbanizada”.

Para muitos  a expansão desse tipo de música deve-se principalmente a uma dinâmica de marketing, uma estratégia  de se criar costumes e hábitos, criando assim, uma estratégia  que envolve sempre lucro e criação e por fim o comprometimento da  qualidade do produto artístico.

Atualmente,  televisão dá uma atenção  muito especial às produções  de programas de “música sertaneja”,  assim como  os espetáculos da “duplas sertanejas” ganharam um formato de super-produção.

NT - O Modernismo no Brasil, no início do século 20, buscou as fontes do mundo rural para as criações artísticas. As novas gerações estão redimensionando a Música Caipira? Quais são as perspectivas?

AC - Vale dizer que na década de 20, Mário de Andrade  destacou-se também como um incansável pesquisador e incentivador da cultura caipira, do folclore brasileiro.

Hoje, modernamente, existem alguns movimentos isolados, alguns por meio da televisão através de produções regionais e, outras manifestações acontecendo em São Paulo, no SESC-Pompéia, outras iniciativas sendo tomadas no Nordeste do Brasil, especialmente, em Pernambuco sob a orientação de Ariano Suassuna e seus seguidores, como Antonio Nóbrega e outros.

De um modo geral as perspectivas são positivas, creio que devemos  acreditar, discutir e, se possível apoiar.

NT - Quais trabalhos vc desenvolveu e desenvolve sobre o assunto?

Mantive durante dez anos um programa na Rádio Difusora de Goiânia, “Goiás, Canto da Gente”, que era na verdade uma produção  para a Fundação Roquete Pinto e para a FUNTEVE.

Mais tarde, desenvolvi outro projeto similar na Rádio Brasil Central –AM . Atualmente desenvolvo a mesma idéia através do programa, Cantos do Brasil, Recantos de Goiás, pela RBC-FM.

Em termos de livros – publiquei “Ensaios Reunidos” – Cultura popular,  (Ed.Cultura Goiana), mais tarde publiquei “Viola Caipira, Viola Quebrada”(Kelps), e mais recentemente lancei em parceria com o escritor Ladislau Couto, mais  dois

volumes: “Mundo Caipira” (ensaio), e “De repente, a viola” (ensaio), (Kelps), uma publicação da Prefeitura de Goiânia/ Secretaria Municipal da Cultura.

NT - Como surgiu seu interesse pela pesquisa da Música Caipira?

AC -Primeiramente, quero dizer que nasci  e passei até a adolescência, no interior de São Paulo, região de São José do Rio Preto, uma região com fortes traços da cultura caipira.

Em nossa casa,  por exemplo, todos os anos havia pouso de folia de Santo Reis, acompanhando de jantar e cantoria.

Mais tarde já em Goiânia, na década de 80,   quando estava cursando o mestrado em literatura brasileira, na UFG, o professor Ático Villas Boas  sugeriu-me que eu fizesse minha dissertação abordando a Literatura de Cordel ou a

Música Caipira.

A partir dessa idéia dei início a várias leituras e pesquisas em torno da cultura popular enfocando particularmente a música caipira.

Depois veio o projeto da Funteve pela rádio Difusora de Goiânia, uma série de artigos para jornais abordando o mesmo tema.

Mais tarde fui convidado por Rolando Boldrin e sua equipe  para participar em São Paulo do projeto de definição do perfil do programa Som Brasil, da Rede Globo e por vai.

NT -Quais as dificuldades para investigar o tema?

AC -Já foi mais difícil. Hoje você tem maior abertura em termos de acesso e contato com pessoas ou grupos.

As maiores  dificuldades  eram tanto de ordem geográfica quanto social.

Lembro-me muito bem das dificuldades encontradas quando  fiz a pesquisa sobre  Rezadeiras e Cantadeiras de Ladainhas, depois sobre benzedores de cobra, na região Norte de Goiás, assim como quando fiz outra pesquisa  sobre Folias do Divino, na região de Planaltina de Goiás, ou em Mato Grosso, no entorno de Cuiabá,  pesquisando  sobre o Cururu.

Geralmente as pessoas, os grupos eram muito “fechados” no repasse de informações.

NT - O que considera mais fascinante?

AC - O mais fascinante é sempre  a descoberta, o encontro, o contato humano com aquela gente, muitos em completo estado de pureza.

Lembro-me a dificuldade para encontrar na região de Porto Nacional alguém que ainda conhecia e praticava a  Dança do Tambor.

Da mesma forma foi   encontrar um grupo que  dançava a  Dança da Curraleira, na região de Porangatu. Esse encontro é sempre muito rico. Sempre vale a pena.

NT -Quais músicos e canções indica aos internautas interessados em conhecer o melhor da Música Caipira?

 

 

AC - De Cornélio Pires até Paraíso, passando por João Pacífico, Raul Torres, Tedy Vieira, José Fortuna, Tião Carreiro, Lourival dos Santos, Donizetti Santos e vários outros podemos elaborar uma enorme lista na qual aparecerão grandes poetas, muitas vezes, autores de uma música bastante singela, porém muito natural revestida com as formas e temas das coisas mais simples e mais belas

que formam o vasto painel da cultura brasileira.

São letras que não demonstram erudição, mas revelam uma arquitetura simples, pura e ingênua que trazem à tona muita emoção através de belíssimas imagens poéticas.

São músicas falando do sertão, da roça, do amor, da saudade, do humor e das tristezas e, ao mesmo tempo, revelando um Brasil em preto e branco, bucólico e sentimental.

 

A poesia dos pousos de boiadas, dos antigos tropeiros, do velho carro de bois é a poesia que se faz presente nessa música de inspiração rural; em nossa música caipira, em nossa música sertaneja de raiz que se revela através do cururu, do caterete, da moda de viola, da querumana, do pagode ou da toada.

01 - Anacleto Rosa Junior

02 - Angelino de Oliveira

03 - Ariovaldo Pires

04 - Athos Campos

05 - Carlos Erba

06 - Cornélio Pires

07 - Dino Franco

08 – Donizette Santos

09 - Goiá

10 - Jesus Belmino

11 – João Pacífico

12 - João Torres

13 - Joel Marques

14 - Lourival dos Santos

15 - Luis de Castro 

16 - Moacir dos Santos

17 - Nono Basílio

18 - Ostecrino Lacerda

19 - Palmeira

20 - Paraíso

21 - Pedro Bento

22 - Redy Vieira

23 - Serafim Colombo Gomes

24 - Sulino

25 - Tião Carreiro

26 - Tiào do carro

27 - Zé Carreiro

28 - Zé do Rancho

29 - Zé Fortuna

 

 

Músicas                             Autores

01 - Cabocla Teresa          João Pacífico/Raul Torres

02 - Mágoas de Boiadeiro  Indio Vago/Nonô Basílio

03 - Chico Mineiro             Tonico/

04 - Esteio de Aroeira       José Fortuna

05 - Saudade de Minha Terra         Goiá

06 - Travessia do Araguaia             Dino Franco

07 - Couro de Boi               Palmeira/Teddy Vieira

08 - Menino da Porteira       Teddy Vieira

09 - Recordação                 Goiá

10 - Tristeza do Jeca          Angelino de Oliveira

11 - Mourão da Porteira     Raul Torres/João Pacífico

12 - Lembranças                José Fortuna

13 - Peito Sadio                 Raul Torres/Rubens Ferreira Bueno

14 - Pagode em Brasília    Lourival dos Santos/Teddy Vieira

15 - Rei do Gado                  Teddy Vieira

16 - Chico Mulato                 Raul Torres/João Pacífico

17 - India                  Flores/Guerreiro – versão José Fortuna

18 - Boi Soberano                 Carreirinho

19 - Ferreirinha                      Carreirinho

20 -  Encantos da Natureza    Luis de Castro/Tião Carreiro

21 - Brasil Caboclo                 Tonico

22 - Amargurado                    Dino Franco/Tião Carreiro

23 - O Mineiro e o Italiano       Teddy Vieira

24 - Cavalo Enxuto     Lourival dos Santos/Moacir dos Santos

25 - Viola Cabocla                  Tonico/Piraci

26 - Boiada Cuiabana               Raul Torres

27 - Disco Voador                    Palmeira

28 - Rio de Lágrimas           Piraci/L. dos Santos/Tião Carreiro

29 - João Boiadeiro                  Moreninho

30 - A Volta do Boiadeiro          Sulino

 

 

 

NT - Gostaria de acrescentar mais alguma questão? Por gentileza, deixe os dados, e o contato, aos interessados em adquirir seus livros.

AC - Suas perguntas foram muito precisas e abrangentes, portanto, dou-me por satisfeito. Os nossos livros sobre cultura caipira podem ser encontrados na livraria da Universidade Católica de Goiás, Área I, Setor Universitário, em Goiânia.

NT -Obrigada pela entrevista. Valeu!

AC - O prazer foi meu poder participar de um trabalho tão significativo como esse que você e sua equipe desenvolvem.

 

 

 

 

O moço da viola, ao lado de Álvaro Catelan, é o violeiro Anacleto João de Sousa, natural de Trindade(GO), irmão do violeiro e cantador, Domá da Conceição.


Seus primeiros contatos com a viola caipira aconteceram ainda na infância, através do contato com as Folias de Reis.

Adulto, estudou música em Goiânia com o maestro e violonista Arnaldo Freire. Foi escolhido para a segunda eliminatória do Premio Syngenta de viola caipira, edição nacional classificando-se entre os dez melhores violeiros da Região Centro-Oeste.


Lançou os CDs - Pura Viola, Bacuri. Está lançando, neste mes o belo CD "A Viola Ponteada de Anacleto".

eNT...

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eNT . Revista Eletrônica Nádia Timm . 2007