Império da imprevidência

Os dados estavam bem à mostra e se providências não foram tomadas em tempo hábil é porque não houve vontade política para tanto, prevalecendo a imprevidência que colocou o Brasil numa encruzilhada em que todos os caminhos que se lhe abrem ferem os interesses nacionais.


O império da imprevidência parece que esteve presente em todas as etapas que culminaram na atual crise.

Não é concebível que um governo resolva construir gasoduto tão importante, nele invista uma fábula de recursos, dele faça depender grande parte da economia nacional e não considere as condições históricas e muito particulares que cercam a evolução política da Bolívia e que deságuam num quadro de crônica instabilidade político-institucional.


Imprevidência e ingenuidade em considerar que somos povos irmãos, amigos inseparáveis, sócios no infortúnio e na espoliação pelo capital internacional, capazes de contornar todos os obstáculos, quando a história confirma, todos os dias, que um sólido relacionamento entre estados independentes não se faz em torno de amizades fortuitas e frágeis identidades culturais, mas na satisfação de interesses recíprocos que levem ao progresso na sua ampla dimensão econômica e social.


Imprevidência em avaliar que identidades ideológicas momentâneas entre os governos brasileiro e boliviano pudessem superar as tensões e os óbices que naturalmente aflorariam e se constituíssem em milagroso antídoto a manter sempre cordiais e harmônicas as nossas relações.


Imprevidência - quanta ingenuidade! - em julgar que a Petrobrás era uma multinacional “boazinha”, diferente das demais, que só queria o lucro e o desenvolvimento da Bolívia e que pela sua importância e projeção no PIB boliviano seria invulnerável a qualquer ação mais enérgica que prejudicasse os seus negócios.

É difícil compreender como a Petrobrás fez investimentos tão altos no país vizinho sem considerar a viabilidade de associações e de “joint ventures” com a YPFB, o que poderia compensar os riscos das crises políticas futuras que, forçosamente, teriam que ser previstos no quadro da instabilidade boliviana.


Imprevidência em negligenciar as fontes de suprimento internas, já dimensionadas nas bacias de Santos, Campos, Espírito Santo e Urucu, e promover a integração da malha de dutos norte-nordeste-sudeste que poderiam oferecer uma alternativa válida e uma resposta confiável para a crise que enfrentamos.


Pouco adianta o governo dizer que não existirá crise no abastecimento, quando sabemos que os fatores da decisão não estão em mãos brasileiras e, sim, bolivianas.

As reservas de gás situam-se no centro da Bolívia, sem nenhum possível controle da nossa parte.

É preciso encarar com toda seriedade a gravidade da situação.

Corremos, sim, risco enorme de desabastecimento e de alta desproporcional no preço do gás, com conseqüências imprevistas para a economia e para o bolso do cidadão que, estimulado pelo governo, acreditou na sua política.


Todos sabemos das vantagens e riscos dos investimentos binacionais.

Podem concorrer para a integração continental mas, por outro lado, são permanentes focos de tensão a exigir cuidados especiais da diplomacia.


Temos bem vívidas nas nossas lembranças as pressões argentino-paraguaias quando da construção da usina hidroelétrica de Itaipu.

Hoje superamos as dificuldades, somos sensíveis aos freqüentes reclamos dos nossos parceiros e criamos mecanismos ágeis para a solução de controvérsias.


A Bolívia é um país soberano. Soberana e indiscutível é a sua decisão de nacionalizar todas as atividades relacionadas com o petróleo.

Não há como deixar de reconhecer este fato básico.


Mas, também, é preciso defender o direito brasileiro de ser ressarcido em todos os seus investimentos, direito garantido à luz de obrigações internacionais firmadas com o mais legítimo suporte jurídico.


A decisão não pode ser unilateral.

Não podemos ficar de joelhos, humilhados. A crise terá que ser, necessariamente, negociada com a força do direito, avaliando-se todas as suas variáveis que, também, muito beneficiam a economia boliviana e o seu povo.

Nós precisamos comprar o gás, mas os bolivianos precisam vendê-lo.


As negociações deverão ser fraternas e sinceras entre parceiros que construíram as suas histórias na tolerância, no entendimento e no respeito mútuo.


O interesse brasileiro não pode ser menosprezado e posto de lado como está parecendo.

A nota emitida pelo Palácio do Planalto é vergonhosa, débil e não está a altura da situação. Faz muito mais a defesa da Bolívia do que do Brasil.


O Brasil não pode ficar refém da Bolívia e submisso aos caprichos demagógicos dos seus dirigentes.


Não há como esconder os fatos. Sofremos uma agressão econômica inominável, que o governo do Presidente Lula tenta minimizar pelo apoio ostensivo que deu a Evo Morales.

Ficaram, também, patentes o desprezo para com o nosso país e a desconsideração ao seu Presidente, até então, considerado um amigo fraterno.


A falta de apoio do governo federal à Petrobrás, desde o início da crise, deixando-a isolada no trato de assunto de tal magnitude é mais um tremendo erro estratégico a quantificar e do qual o governo não pode se furtar.

Deixou muito mal o Itamaraty pela sua quase incompreensível inação.


Em toda a avaliação da crise boliviana faltou ao governo brasileiro visão estratégica para antevê-la e gerenciá-la, preservando, conforme prevê a Política de Defesa Nacional (Dec nº 5484, de 30 de junho de 2005), “a defesa dos interesses nacionais e das pessoas, dos bens e dos recursos brasileiros no exterior”.


Não seria o caso do Presidente Lula convocar o Conselho de Defesa Nacional e, em assim o fazendo, avaliar apropriadamente a gravidade da situação, oferecer alternativas à crise e demonstrar ao Sr Evo Morales o nosso respeito à decisão soberana da Bolívia, mas, igualmente, dele exigir a preservação do interesse nacional brasileiro?


Gen Ex Luiz Gonzaga Schroeder Lessa
Presidente do Clube Militar



Rio de Janeiro, maio de 2006

 

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