Gripe aviária: combate e prevenção

Camila Martins

JULIANA CÉZAR NUNES, da Assessoria de Comunicação da Universidade Nacional de Brasília, UnB, entrevista Ricardo Martins (foto)

 

Passado o Carnaval, é necessário uma mobilização intensa para evitar que, caso o vírus chegue, ele se espalhe rapidamente e afete um grande número de pessoas, principalmente, aquelas que trabalham no campo diretamente com os animais”, avisa o chefe da divisão médica do Hospital Universitário de Brasília (HUB).

Indicado pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, Ricardo Martins participou da força-tarefa que, entre 2004 e 2005, elaborou um plano de ação contra a gripe aviária. Para ele, as medidas no campo veterinário e agrícola estão sendo tomadas em ritmo satisfatório.

Faltaria agora preparar os profissionais de saúde, especialmente os agentes comunitários. São eles que, a partir do trabalho nas casas e ruas, podem ascender o sinal vermelho.



UnB AGÊNCIA – Porque o senhor acredita que a gripe aviária pode chegar ao Brasil no inverno deste ano, que começa em junho?


RICARDO MARTINS – Se a gripe aviária chegar ao Brasil, a expectativa de todos os pesquisadores e organizações é que isso aconteça no inverno, quando as aves migratórias buscam as Américas, saídas da Ásia e Europa. O Brasil tem uma posição, de certa forma, privilegiada, porque as aves costumam chegar pela América do Norte.

Se tiverem doentes, boa parte delas vai morrer pelo caminho. Já foram montados, pelo governo federal, postos para monitorar as aves migratórias. Rio Grande do Sul, Bahia e Amazonas merecem atenção especial. O ideal é que o alerta seja dado pela contaminação nos animais e, não, nos homens.

UnB AGÊNCIA – Caso a gripe aviária chegue com as aves migratórias, o Brasil está preparado para combatê-la e atender as pessoas possivelmente infectadas pela doença?


MARTINS – Neste momento, estamos trabalhando contra o tempo. O Brasil não é o país com mais chances de receber o vírus. Mas não dá para ficar descansado. O plano de prevenção e combate à gripe aviária do governo federal está correto. Estamos dentro do cronograma para minimizar riscos. Mas é como o Garrincha (jogador de futebol) dizia, falta combinar com o adversário.

UnB AGÊNCIA – O que é preciso fazer agora?


MARTINS – Passado o Carnaval, é necessário uma mobilização intensa para evitar que, caso o vírus chegue, ele se espalhe rapidamente e afete um grande número de pessoas, principalmente, aquelas que trabalham no campo diretamente com os animais. Na área agrícola, é preciso mobilizar as equipes que dão assistência aos produtores rurais para que eles redobrem os cuidados com criações de galinha, frango e pato, por exemplo. Na área de saúde, é necessário treinar as equipes de pronto-socorro e saúde da família. Eles precisam ter o material com instruções sobre diagnóstico e tratamento na mão.



UnB AGÊNCIA – Os hospitais brasileiros ainda não estão preparados para uma eventual epidemia de gripe aviária?


MARTINS – Ainda precisamos trabalhar mais nesse sentido. O Ministério da Saúde definiu em cada região os hospitais que devem se tornar referência no atendimento de possíveis casos de gripe aviária. No Distrito Federal, é o Hospital Regional da Asa Norte (ver lista completa no link Medidas Preventiva em www.saude.gov.br/influenza). Mas os postos de saúde e os agentes comunitários devem estar preparados para diagnosticar a doença e enviar para a unidade de referência.

UnB AGÊNCIA – Como o hospital de referência fará o tratamento?


MARTINS – No hospital de referência, o paciente deverá ficar em um setor de isolamento, sendo acompanhado, em repouso. Os exames laboratoriais ficarão concentrados nos laboratórios dos institutos Evandro Chagas (Pará), Butantã (São Paulo), Adolf Lutz e Oswaldo Cruz (Rio de Janeiro).

O Laboratório Central (Lacen) de Brasília ainda não está devidamente equipado para identificar o vírus. Com relação ao tratamento, o Ministério da Saúde tem um estoque com nove milhões de tratamento completo com antiviral Oseltamivir (Tamiflu).

É o único remédio eficaz para gripe aviária. Ele deve ser usado durante cinco dias. Cada caixa, para esse período, custa R$ 70,00. Por causa da procura, é praticamente impossível comprar esse remédio em farmácias ou mesmo na internet. O próprio fabricante (laboratório Roche) tem evitado a venda. Em casos assim, de risco à saúde pública, a indústria prefere vender para os governos.



UnB AGÊNCIA – Porque a gripe aviária desperta tanto temor?


MARTINS – A gripe aviária, na verdade, é mais um tipo de influenza. No entanto, ela é causada por um vírus (H5N1) com grande potencial de mutação e agressão ao organismo humanos, que não tem as defesas necessárias contra esse microorganismo. Até o momento, não foi identificada nenhuma mutação que permite a transmissão entre humanos. Por enquanto, a contaminação ocorre apenas de um animal para outro, ou de um animal (silvestre ou doméstico) para os humanos, via contato respiratório. No entanto, pela trajetória de outros vírus, é possível que o H5N1 sofra alguma mutação, em breve, para se tornar transmissível entre humanos. E é esse cenário que mais nos preocupa.

UnB AGÊNCIA – O Brasil já teve alguma epidemia com proporção comparável ao potencial de impacto da gripe aviária?


MARTINS – A pior epidemia de influenza no Brasil foi a gripe espanhola, no início do século passado. Não existem estudos confiáveis sobre o número de mortos, mas, no mundo, foram milhões de pessoas.

As epidemias costumam aparecer com força a cada dez ou 20 anos. Depois da gripe espanhola, outros tipos de influenza chegaram ao Brasil. Mas sempre com impacto muito pequeno.

Estudiosos dizem, no entanto, que a gripe aviária tem o mesmo potencial da gripe espanhola. Portanto, as pessoas que tiverem viagem marcada para os países onde a gripe já foi identificada devem ficar atentas. Se puderem adiar as viagens, melhor. Como ainda não há contaminação entre humanos, ainda não estamos no nível dizer “não vá”.

PERFIL

Ricardo Martins é chefe da Divisão Médica do Hospital Universitário de Brasília (HUB) e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB). Fez graduação e mestrado em Clínica Médica na UnB.

Especializado em Pneumologia, ele dá aulas na universidade desde 1993. considerado pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia um dos profissionais brasileiros mais qualificados para o estudo e tratamento da gripe aviária. Martins costuma dar palestras para profissionais do hospital e já organizou diversos seminários sobre a doença no HUB.

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eNT . Revista Eletrônica Nádia Timm . 2006