continuação.... Amor Lia Luft Não cair nos braços do outro como quem cai na armadilha do "enfim nunca mais só!", porque aí é que a coisa começa a ferver. Conviver é enfrentar o pior dos inimigos, o insidioso, o silencioso, o sempre à espreita, incansável: o tédio, o desencanto, esse inimigo de dois rostos.
Passada a primeira fase de paixão (desculpem, mas ela passa, o que não significa tédio nem fim de atração), começamos a amar de outro jeito. Ou a amar melhor; ou, aí é que começamos a amar. A querer bem; a apreciar; a respeitar; a valorizar; a mimar; a sentir a falta; a conceder espaço; a querer que o outro cresça e não fique grudado na gente.
O cotidiano baixa sobre qualquer relação e qualquer vida, com a poeira do desencanto e do cansaço, do tédio. A conta a pagar, a empregada que não veio, alguém na família doente ou problemático, a mãe ou o pai deprimido ou simplesmente o emprego sem graça e o patrão de mau humor.
E explodimos, queremos morrer, quando cai aquela última gota, pode ser uma trivialíssima gota - ai nos damos conta: nada mais é como era no começo.
Nada foi como eu esperava. Não sei se quero continuar assim, mas também não sei o que fazer.
Como não desistimos facilmente porque afinal somos guerreiros ou nem estaríamos mais aqui, e também porque há os compromissos, a casa, a grana e até ainda o afeto, é preciso inventar um jeito de recomeçar, reconstruir.
Na verdade devia-se reconstruir todos os dias. Usar da criatividade numa relação. O problema é que, quando se fala em criatividade numa relação, a maioria pensa logo em inovações no sexo, mas transar é o resultado, não o meio.
Um amigo disse no aniversário de sua mulher uma das coisas mais belas que ouvi: "Todos os dias de nosso casamento (de uns 40 anos), eu te escolhi de novo como minha mulher".
Mas primeiro teríamos de nos escolher a nós mesmos diariamente. Ao menos de vez em quando sentar na cama ao acordar, pensar: como anda a minha vida?
Quero continuar vivendo assim? Se não quero, o que posso fazer para melhorar? Quase sempre há coisas a melhorar, e quase sempre podem ser melhoradas.
Ainda que seja algo bem simples; ainda que seja mais complicado, como realizar o velho sonho de estudar, de abrir uma loja, de fazer uma viagem, de mudar de profissão.
Nós nos permitimos muito pouco em matéria de felicidade, alegria, realização e sobretudo abertura com o outro.
É difícil? É difícil. É duro? É duro.
Cada dia, levantar e escovar os dentes já é um ato heróico, dizia Hélio Pellegrino.
Viver é um heroísmo, viver bem um amor, mais ainda.
O casal perfeito talvez seja aquele que não desiste de correr atrás do sonho e da certeza de que, apesar dos pesares, nós, a cada dia, nos escolheríamos novamente!!! eNT... |
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eNT . Revista Eletrônica Nádia Timm . 2006 |