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Poesia sem tabu

Nádia Timm

O mundo literário comemora este ano o cinqüentenário do movimento que revolucionou a poesia, com reflexos nas artes plásticas e até nos meios de comunicação: o concretismo. A data tem como referência o lançamento da revista Noigandres, em 1952, pelos fundadores do movimento concretista no Brasil – os irmãos Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari. Na entrevista a seguir concedida, por e-mail, com exclusividade a Magazine, o poeta Augusto de Campos – que teve relançado este ano seu livro Viva Vaia, pela Ateliê – fala dos rumos da poesia concreta neste início de milênio e sobre suas experimentações com as mídias digitais, afirmando que elas são o “hábitat natural” para a poesia concreta e as poéticas visuais.

Qual o legado da poesia concreta?

Não me sinto à vontade para responder a essa pergunta, já que fui um dos protagonistas desse movimento poético. Está nos nossos livros. Que outros avaliem, agora ou no futuro.

Quem são os herdeiros?

Não gosto de falar de herdeiros, porque a palavra parece implicar submissão ou compromisso, e acho que um poeta não deve ter compromisso com nada e com ninguém, a não ser com a poesia. Tenho afinidade com os poetas experimentais, aqueles que não apenas estão interessados em expressar-se, mas em mudar a linguagem poética.

Com quais poetas, por exemplo?

Há várias gerações de poetas experimentais após a minha. Por exemplo, Leminski, que foi revelado na nossa revista Invenção, nos anos 60. Hoje, o poeta mais conhecido dessa linhagem é Arnaldo Antunes, dadas as suas relações com a música popular. Mas há os poetas que conduziram as revistas Código, Artéria e outras, nos anos 70, como Erthos Albino de Souza e Antonio Risério.

Por que o senhor, Haroldo de Campos e Décio Pignatari escolheram o nome Noigandres para a revista do movimento?

A palavra Noigandres foi extraída de uma canção do trovador provençal Arnaut Daniel, do século 12, considerado por Pound o protótipo do poeta-inventor. O seu significado desafiou as exegeses, até que o provençalista Émil Levy fixou o seu entendimento: “l'olors d'enoi gandres” (um perfume que afasta o tédio). A poesia concreta propriamente dita começou a se expressar nos meus poemas do ciclo “poetamenos”, de 1953 (só publicados em Noigandres 2, em 1955, devido às dificuldades da impressão, que pedia até seis cores).

O que o senhor acha da crítica de que o movimento privilegiou a forma, em vez do conteúdo?

Waldemar Cordeiro dizia provocativamente: “O conteúdo não é um ponto de partida, mas um ponto de chegada”. Na verdade, forma e conteúdo são um todo inseparável. Mas se quiserem conteúdo, tomem os meus poemas Greve, Luxo lixo, ou os pop-cretos, Beba coca cola do Décio, que é de 1957(!), Servidão de passagem, do Haroldo, Portões abrem, do Ronaldo e tantos outros. Os críticos falam sem ter lido os poemas.

A poesia concreta ainda incomoda?

Tendo em conta que, em algumas universidades e em parte da imprensa cultural, a poesia concreta ainda é tabu, parece-me que sim.

Quais os rumos da tradição da invenção?

A invenção tem muitos caminhos e os poetas-inventores saberão encontrá-los. Repito apenas o que dizia Schoenberg: “Todos os caminhos levam a Roma, menos o do meio”. De minha parte, há dez anos só trabalho em computador. Todos os meus poemas são produzidos nesse veículo e grande parte da minha produção se dirigiu para a elaboração de animações poéticas digitais, algumas das quais podem ser vistas no meu site (www.uol.com.br/augustodecampo).

A internet é uma aliada... Acho que o universo digital, oferecendo ao poeta programações sofisticadas de design, abre um campo imenso de experimentação, tanto para fora como para dentro do livro. Na mídia eletrônica, a poesia concreta e as poéticas visuais encontram um “hábitat” natural. Os poemas podem ser pensados em formas, cores e movimento, com versatilidade e relativa facilidade. É o que eu sonhava, quando há quase meio século, prefaciando a série de poemas em cores Poetamemos, exclamava: “Mas luminosos ou film-letras, quem os tivera!”. Acrescente-se que a internet, apesar de todo o lixo cultural que acolhe, abre picadas e desvios de rota que favorecem o intercâmbio poético entre os guetos ou “reservas” de resistência poética em todo o mundo, ajudando a romper o isolamento catacúmbico da poesia.

Quais são seus projetos?

Tenho um novo livro de poemas já entregue a uma editora (todo ele feito em computador) e outro, no qual reúno as minhas traduções dos provençais Arnaut Daniel e Raimbaut d'Aurenga ao lado de Cantos de Dante e outros poemas dele e de Guido Cavalcanti. É, parcialmente, uma reedição de Mais Provençais, mas com muitos acréscimos e traduções inéditas, especialmente as do Inferno e do Purgatório, que enfatizam o encontro de Dante com os trovadores. Acabo de republicar com Haroldo de Campos novas edições, revistas e ampliadas, do Panorama do Finnegans Wake e da ReVisão de Sousândrade, ambos pela Editora Perspectiva. Demos especial atenção ao livro sobre Sousândrade, que se encontrava há muito esgotado, sendo este ano o centenário da morte do grande poeta maranhense, modelo de poeta-inventor, ainda não engulido pelos nossos meios universitários e acadêmicos.

O trio Augusto, Haroldo e Décio Pignatari ainda produz junto?

Não. Produzimos individualmente. Aliás, nunca fizemos um poema em conjunto. Mas, nos anos 50 e 60, estávamos, naturalmente, em maior contato, mostrávamos um ao outro o que produzíamos antes de publicação, e chegamos a publicar juntos a nossa produção poética, por cerca de 17 anos. Isso, também naturalmente, já não ocorre hoje. Continuamos amigos, o que é mais importante. Converso semanalmente com Haroldo ao telefone. Com Décio (que de alguns anos para cá mora em Curitiba), tive bons momentos em maio no Salão do Livro de Genebra.

Qual é o seu recado para as novas gerações?

Só não voltar atrás.

P E R F I L

Augusto Luís Browne de Campos nasceu em São Paulo, em 1931. Em 1951, estreou como poeta em O Rei Menos o Reino. Publicou cinco antologias Noigandres, coletâneas de poesia do grupo concretista, de 1952 a 1962; Poetamenos, em 1973; Poemóbiles, 1974; Caixa Preta, 1975; Viva Vaia, 1979, e Despoesia, 1994. Como crítico e teórico, uma de suas principais obras é Teoria da Poesia Concreta, de 1965, com colaboração do irmão Haroldo de Campos e de Décio Pignatari. No campo da música, escreveu O Balanço da Bossa (1968). Traduziu poetas russos, obras de Ezra Pound, E.E. Cummings, James Joyce e uma versão poética da Bíblia.