Entrevista/ Alex Solnik

Qual sua relação com a obra do poeta?

Não tive qualquer relação com a obra dele antes de fazer o livro e o documentário, que deu origem ao livro. O Viniciu sempre foi um mito pra mim. Um cara diferente de qualquer outro.

Só que ele foi um enorme poeta, um imenso letrista, um maravilhoso dramaturgo, sem deixar de viver como homem. Nunca falei com ele enquanto viveu. Até o encontrei uma vez, mas não tive coragem de falar com ele, eu achava que ele nem ia me responder.

Ah, agora me lembrei de uma relação com a obra dele: acho que foi no ginásio, fiz parte de um grupo que declamou aquele poema "Filhos? Melhor não tê-los... mas se não tê-los, como sabê-los...?" 

 

Garoto de Ipanema registra a partir da biografia de um artista, um longo período a história brasileira e internacional. As entrevistas foram pautadas em quais parâmetros?

 Procurei as pessoas que conviveram com ele. Eu não queria falar com críticos da obra dele ou historiadores, queria ouvir das pessoas que estiveram ao lado dele histórias que viveram com ele, e assim unir os pedaços para formar a pessoa que ele foi.

Não importava a posição desse amigo. Podia ser um garçom. Desde que tivesse histórias a contar.

 

Como foram os bastidores do trabalho?

Tudo começou com o documentário. Eu estava duro. Propor o documentário foi uma forma de pagar meu aluguel. Além, é claro,de fazer uma coisa muito legal. Não foi fácil. Há pessoas fáceis e difíceis.

Nana Caymmi é fácil, maravilhosa. Topou na hora. Quando chegou pra gravar, falou: mas por que você me chamou? Eu não tenho nada pra contar. Mas foi só ligar a câmera e ela não parava mais de contar histórias e falar coisas incríveis como "se Vinicius e meu pai fossem homossexuais estariam casados até hoje, na Bahia".

O documentário teve seis depoimentos; o livro, 12. Muitos deles, por telefone. Zélia Gattai, por telefone. Nunca tinha falado com ela na vida. Ferreira Gullar, por telefone. Sergio Cabral, por telefone. Lan, por telefone. Bem, a conta foi alta. E fui entrevistando cada um. Eu não falei assim: escreve um depoimento e me envia. Não. Fui perguntando, conversando. Um entrevistado indicava outro.

O Ziraldo (que não quis falar, disse que não tinha histórias) indicou a Maria Christina Gurjão. Ela me enviou o testamento que o Vinicius deixou pra ela. Quase ninguém conhecia. Já a filha dela com Vincius não quis falar.

A Mariana de Moraes, neta do Vinicius, falou, mas depois não autorizou. Os filhos... bem, deixa pra lá. Os filhos são os filhos. Família é família.

 Em que sentido o livro ajuda a compor uma visão de Vinicius?

 Cada um contou histórias diferentes. De atividades diferentes. Fases diferentes. Uma que eu achei legal foi a do Haroldo Costa. Na minha cabeça, o "Orfeu" foi montado num estalar de dedos. Vinicius decidiu e a grana apareceu.

Quando o Haroldo contou que o Orfeu só foi montado porque na feijoada apareceu um egípcio milionário, namorado  de uma amiga do Vinicius, eu quase caí pra trás.

 

Você evitou invasão da privacidade ou não determinou limites?

Não dá pra mostrar quem foi um cara sem mostrar sua privacidade. As pessoas são o que falam, o que fazem, o que se fala sobre elas, o que deixaram na memória. Vinicius nunca ligou para a privacidade. Se ligasse, teria feito shows com um copo de uísque na mão?   

Pintou alguma resistência de familiares, qual foi a participação deles ?

Os amigos,. as mulheres, os parceiros conheceram melhor o Vinicius que a sua família. Ele pouco conviveu com os filhos. Não dava tempo. Depois, filho tem aquele negócio: será que eu posso contar isso do meu pai? Sempre fica em dúvida.  Isso é bom contar? Isso é ruim?

Vinicius viveu mais nos botecos do que em casa. Passava o tempo ao lado dos parceiros; ou sozinho, escrevendo; bebendo, sozinho ou com amigos. Filho admira. Adora. Herda. Mas não tem o que falar. Você já viu algum filho do Chico Baurque falar sobre o Chico? O filho do Tom Jobim falar sobre o pai?

Alguns aspectos da personalidade e comportamento de Vinicius - como valorizar a beleza da mulher, gostar de um uisquinho, e ter casado tantas vezes - são   super conhecidos do grande público, e muitas vezes apontados como sinais de machismo.

No seu livro, o conjunto dos depoimentos, abre a dimensão amorosa, apaixonada e intensa do artista. Isto foi uma surpresa?

Vinicius era muitos. Não era um só. Era romântico, devasso, apaixonado, chulo. Ele tanto podia fazer um verso lindo como olhar uma bunda. É o que conta a Nana. Passava uma bunda, Vinicius não perdoava.

Ele fez coisas como qualquer um. Como, por exemplo, atacando a mulher a caminho do banheiro. Vinicius não tinha medo. Aliás, tem uma frase muito chula dele que era assim: "Enquanto eu tiver língua e dedo, mulher nenhuma me mete medo". Não adianta colocar Vinicius n um pedestal. Sabe o que ele faria num pedestal? Xixi... 

 O material com Toquinho rendeu, enquanto o depoimento de Jorginho Guinle, apesar de lacônico, lembra que Vinicius viveu numa época tão cheia de glamour, quanto de tabus.

O que sentiu ao lidar com lembranças compartilhadas pelos mais importantes artistas da história da música contemporânea ?

 Foi a última entrevista do Jorginho. Ele morreu uns dois meses depois, eu acho. Não podia nem falar direito. Só falou porque era sobre Vinicius. Mas a Christina Gurjão contou que quando saiu vendendo o livro do Orfeu, Jorginho não comprou.

Com toda aquela grana. Era amigão do Vinicius, tinha uma grana preta mas não comprou o livro cujas vendas financiaram a montagem da peça. É difícil dizer o que eu senti. A cada frase eu sentia uma coisa. E sofria. Sofri quando Francis Hime, depois de ter marcado encontro, desistiu. Mas o Carlinhos Lyra, que gênio! A Miúcha, que graça. A familia Buarque. Fui muito amigo da irmã dela, Ana de Hollanda. Uma cantora incrível. Se não fosse irmã do Chico. 

É possível estabelecer vínculos entre Vinicius e os artistas de hoje?

Nádia: todos os brasileiros amam o Vinicius. E também os artistas. esse é o vínculo. Você já viu alguém falar mal do Vinicius nos últimos 90 anos?

Esse cara não existe! Enchia a cara, mas não era um bêbado. Fazia letra de música, mas não deixava de ser poeta. 

Não tem artista igual a ele. Nem parecido. Nunca haverá.

Qual foi a entrevista mais gostosa de fazer?

 Essa que você está fazendo comigo...

Em sua opinião, a obra de Vinicius tem recebido o devido valor no Brasil e no exterior?

Pra variar, o Brasil não ama seus artistas como eles merecem. Aqui é mais fácil esculhambar que elogiar. Vincius teria que ter uma estátua. Um museu. O cara é um monumento.

Mas o que se conhece da obra dele? Quantos poemas dele são temas de aulas de literatura? Nas faculdades de Letras tinha que ter uma cadeira Vinicius de Moraes. Esse cara tinha que ser estudado. Nos outros países ouve-se mais músicas dele do que aqui. Muito mais.

Brasileiro prefere fazer piada a uma homenagem. A gente não é chegado em homenagem. Logo vão dizer: ah, você é puxa-saco! O máximo foi chamarem uma rua de Vinicius de Moraes. Mas Vinicius merecia ser nome de país!

 

Existe algum projeto de peso no Brasil para manter a chama da arte Vinicius, voltado para as novas gerações?

Isso é com as filhas dele. Elas são as donas de tudo o que ele fez. São donas de sua imagem. Nada se faz sobre ele sem elas. Elas fizeram um site maravilhoso, www.viniciusdemoraes

 Mas nem a Globo tinha como homenagear Vinicius. Pergunte ao Boni. Se Vinicius fosse meu pai, eu ia adorar que sua imagem virasse um poster nacional. Que os poemas dele fossem a logomarca do Fantástico. Do Jornal Nacional. Por que Vinicius não foi meu pai? 

 

Como a obra é recebida pelo público? Qual a agenda de lançamentos? Pretende aparecer por aqui (Goiânia) ou Brasília?

A minha agenda de lançamentos é você, Nádia. Você, com a tua força espontânea, juvenil, alegre, viva, você que não me conhece, não sabe se sou feio ou bonito, se sou vesgo ou coxo, se sou gordo ou magro, se tenho mau hálito, se tenho pensamentos tortos, você, Nadia, é minha agenda.

Você é que está com a chama do Vinicius na mão. Acesa, levando pro podium. Você é tudo. Se vou pra Goiânia? pra Brasilia? Quem sabe? Quando, não sei.

 

Em que projetos você está trabalhando?

Eu sou editor-executivo de uma revista que circula em Brasilia. Talvez em Goiânia também. É a SRAS&SRS. Faço muitas entrevistas. Depois, faço revistas por encomenda, adoro fazer revistas. Escrever, editar. Faço poesias de vez em quando. Músicas. Tenho um parceiro, o Sergio Mello. Temos 100 músicas prontas. Veja um poema que escrevi pro Vinicius:

Ave poeta cheio de graça

nuvem de fumaça

a caminho da UTI

do Itamaraty

Poeta nosso que estás

no céu de Ipanema

rogai por nós, poetas menores

agora e na hora dos nossos porres

Ave poeta que sempre nasces

porque nunca morres 

 

Como concilia jornalismo e literatura?

Tudo é uma coisa só. É escrever. Juntar palavras. Jornalismo ou literatura, tanto faz. É uma palavra atrás da outra. Ficção ou realidade ? É tudo realidade. É tudo ficção. Ah, tenho um projeto muito legal: um livro sobre o Brasil em 1840. Foi ano em que Dom Pedro II tinha 14 anos e comprou a primeira máquina fotográfica do país. E um francês plantou aqui a primeira colônia socialista do mundo. Claro que foi acusado de tudo, até de sedução. Era, de fato, um cara, sedutor.

Gostaria de acrescentar mais alguma questão?

Nádia, teu nome é lindo. Timm, um sobrenome mais lindo ainda. Amo esse nome. Amo você. Fale mais comigo. 

 

 
nádia timm
R E V I S T A . E L E T R Ô N I C A