Anarquismo e amor

A partir da concepção anarquista, “que não significa bagunça, porque o anarquismo é muito organizado”, como faz questão de frisar, Freire contrariou os preceitos freudianos da psicanálise e foi buscar em processos revolucionários como Reich, que focam o corpo e suas expressões, o caminho para a felicidade. “Contrariei a psicanálise que está aí para adaptar o indivíduo aos valores burgueses. Assumi uma postura política anarquista. E, para isso, comecei por mim mesmo. Eu era machista”, abre o jogo.

Freire explica que a felicidade está relacionada com a liberdade de cada pessoa, de viver sua originalidade. A massificação, o autoritarismo, os papéis sociais determinados pelo sistema resultam em neuroses e o mérito do Soma é estimular o rompimento com tais padrões.

Ele conta que a idéia de escrever a biografia partiu de seus filhos depois que completou 73 anos e a saúde ficou fragilizada. “Fiquei sem condições de manter o ritmo de trabalho, e sempre fui muito produtivo. Aproveitei a imagem sugerida por Rimbaud (o poeta francês lhe inspirou o título Eu É Um Outro ). Foram dois anos dedicação, ditando histórias, porque estou quase cego. Eu lembrava de pessoas e situações que depois eram organizadas por escrito”, explica.

Roberto Freire considera o amor anarquista como a chave para a felicidade, “porque é capaz de ressuscitar o amor socialista amordaçado e moribundo”. A família também é uma estrutura burguesa e o caminho é a comunidade”, lembra. “O amor é o sentido de tudo. Falei sempre de amor nos mais de 20 livros que escrevi. E nunca soube defini-lo”, admite.

Freire criou o Soma durante o regime militar. Foi taxado de comunista, preso várias vezes e, por esta razão, a terapia ficou por muitos anos, à margem da vida acadêmica brasileira. Foram 13 prisões que, por conta das agressões, provocaram o descolamento das retinas dos dois olhos. Hoje, o Soma é aceito e oferece caminhos para pesquisas no âmbito de mestrado e doutorado.

O período em que atuou como repórter, no final dos anos 60, é lembrado como uma época em que “fazíamos o jornalismo paixão na revista Realidade. Na lendária revista, da Editora Abril, escreveu sobre personalidades como Roberto Carlos e Pelé, além de ganhar um prêmio Esso, com a reportagem Meninos do Recife.

Recentemente, integrou o grupo de intelectuais e artistas que lançou a Caros Amigos, porém rompeu com projeto quando a revista pendeu para o Partido dos Trabalhadores. “Não aceitei. Não era essa a proposta. Não faltam revistas e jornais defendendo interesses partidários. Fui contra e saí”.

Apesar das dificuldades provenientes de seu delicado estado de saúde, Roberto Freire continua trabalhando. Além de participar de lançamentos de sua biografia, está organizando um roteiro de cinema.

LIVRO

Eu É Um Outro

Gênero: Autobiografia de Roberto Freire

Editora: Maianga

Preço: 39 reais – 448 páginas

 

QUEM É

Roberto Freire tem 76 anos, é paulistano, anarquista, médico, dramaturgo, escritor e jornalista. Formou-se em Medicina no Rio, contra a vontade, para agradar seu pai. Depois de um período em Paris, voltou ao Brasil em 1955. Logo abandonou tudo pela psiquiatria. Descobriu que não concordava com a teoria freudiana, principalmente com o conceito de instinto de morte. A dissidência tinha também razões políticas, uma vez que, socialista libertário, considerava a psicanálise elitista. Iniciou a carreira de dramaturgo escrevendo Quarto de Empregada em 1958, seguindo-se Gente como a Gente, dirigida por Augusto Boal.

 
nádia timm
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