Helano Stuckert / UnB Agência

Luiz Gonzaga Motta é jornalista e professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB). Tem pós-doutorado na Filosofia da Linguagem na Universidade Autônoma de Barcelona. Atualmente, coordena o Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UNB.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Além do maniqueísmo

Luiz Gonzaga Motta

O debate sobre a criação do Conselho Federal de Jornalismo (CJF) coloriu-se, infelizmente, das cores do maniqueísmo: o preto ou branco. Ou se é contra, ou se é a favor. Como se a verdade só pudesse estar nos dois extremos. Virou plebiscito. Até o Observatório da Imprensa, uma tribuna tantas vezes pluralista, em enquete, reduziu a questão a uma única pergunta: é uma proposta autoritária ou é o seu contrário? O que poderia ser um oportuno e democrático debate sobre os erros e acertos do jornalismo brasileiro transformou-se em uma discussão estéril e dogmática.

A origem principal desse dogmatismo está na preconceituosa reação da mídia brasileira, um dos mais conservadores segmentos de nossa sociedade. É bom recordar que, das 32 subcomissões da Assembléia Nacional Constituinte de 1988, só uma não conseguiu concluir os seus trabalhos, a de comunicação. Porque o lobby feroz das empresas do setor não permitiu nenhum avanço social, condenando qualquer proposta democrática em nome da sua liberdade de imprensa.

Foi a preconceituosa cobertura da mídia que deu início aos mal-entendidos sobre o CJF. Sua reação imediata à proposta deu o tom da cobertura e falsamente dirigiu o debate a uma reduzida oposição: contra ou a favor da “liberdade de imprensa”. Como se tudo se limitasse à dicotomia: censura ou liberdade de informação. A partir dessa estreita (mas, intencional) concepção, a cobertura se reduziu às tecnicalidades e condenações. E assim, a mídia vai legitimando suas posições, construindo uma falsa dicotomia e desviando a discussão do seu centro, como se o desejo de discutir o papel da imprensa signifique sempre uma ação de censura.

A mídia desqualifica o debate, tudo passa a girar em torno da falsa dicotomia liberdade x censura, como se o debate se reduzisse a isso. E, nesse movimento, vai definindo os contendores da batalha maniqueísta, da luta “do bem contra o mal”. De um lado, os defensores da liberdade (a própria mídia); de outro, todos que ousam sequer indagar: que liberdade é essa? Maquiavelicamente, atribui-se qualidades do bem a si própria e a todos que cegamente a apóiam. E carimba de perversos todos os que, sob qualquer argumento, atrevem-se a questioná-la.

No caso do projeto do CFJ, elegeu-se como inimigo o governo do Partido dos Trabalhadores. É bom lembrar que a proposta foi feita em um momento que se exacerbavam as relações governo-mídia. As críticas do governo ao denuncismo pipocavam em declarações de ministros e do próprio presidente da República. De fato, o momento foi inoportuno para se encaminhar tal projeto. O governo errou também ao não fazer consultas abertas à sociedade e ao próprio Congresso. Lá mesmo, há outros projetos que tratam do assunto e o próprio líder do PT afirmou que o governo errou em não dialogar antes com o parlamento. Portanto, o governo contribuiu para receber a etiqueta de autoritário.

É surpreendente e lamentável observar como vozes lúcidas em outras ocasiões, como a do jornalista Alberto Dines, deixam-se contaminar pelas paixões e fazem coro com posições dogmáticas. Em artigo no Observatório da Imprensa, ele parte para acusações contra a Fenaj e a CUT. Chama a CUT de dona da profissão, como se os jornalistas fossem cordeiros obedientes às ordens sindicais. Diz que os assessores de imprensa não são jornalistas, são parciais, enquanto os profissionais de redação são imparciais. Afirmação ingênua, além de preconceituosa. Os profissionais de redação não são automaticamente imparciais só porque trabalham para empresas jornalísticas. Haja vista as recentes e atordoantes confissões de Luiz Costa Pinto, na revista Isto É. As qualidades pessoais dos jornalistas não mudam porque eles trocam de emprego ou de patrão. Nas redações, não se pratica mais verdades do que em outros lugares onde se exerce a profissão de jornalista. De fato, muitos jornalistas que deixaram a redação tiveram mais dignidade do que aqueles que lá permaneceram cumprindo pautas prestabelecidas.

Há vários erros no processo de criação e de encaminhamento do CFJ. Há expressões que não deviam estar lá, há excessos. Talvez, pudesse ter maior representatividade da sociedade civil. Há indefinições que deixam margem a interpretações equivocadas. O encaminhamento talvez tenha sido inoportuno. Mas, independente do recuo agora ou de sua aprovação adiante, a disseminação da idéia cumpre a importante tarefa de colocar na agenda dos jornalistas, do governo e do parlamento um debate que a academia já vem solicitando há muito tempo: a mídia não pode continuar como o único poder sem nenhum controle ético em nome de uma liberdade de expressão que se restringe a quem veste a farda de jornalista de redação e a quem decide, apenas por ser proprietário, o que sai e o que não sai na imprensa. O jornalismo é um espaço público, não pertence a governos nem deve ter donos. Pertence à sociedade.

 

 
nádia timm
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