Daiane Souza/UnB Agência

Lúcia Avelar é diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB). Tem pós-doutorado em comportamento político pela Yale University. É autora de diversos livros, o mais recente deles é o Sistema Político Brasileira, uma introdução (2004).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Baixa Confiança nos Políticos

Lúcia Avelar

O objetivo de interpretar o descrédito dos políticos e da política em todo o mundo remete a questões complexas da relação entre Estado e sociedade, da política como fórum privilegiado de resolução de conflitos de toda ordem inclusive os de natureza redistributiva .

Relembremos, a propósito, uma fábula urbana que nos conta a seguinte história. Uma avenida de tráfego intenso teve seu fluxo interrompido em uma de suas mãos. Duas imensas filas de carros parados. Era difícil saber o que se passava à frente. Enquanto ambas as filas estavam paradas, seus motoristas esperavam pacientemente que o obstáculo fosse removido. Até que uma das filas começou a andar. Alívio geral: se um lado foi liberado, logo o outro também seria. E o tempo começou a passar, sem que os outros começassem a andar. O mal-estar foi aumentando e começou-se a suspeitar que havia trapaça no jogo.

A estória nos remete aos tempos da passagem das sociedades pré-capitalistas à capitalista, aos tempos da construção do Estado moderno. Nos países latino-americanos ainda constituídos por uma economia agrícola, a pobreza rural não era tão visível e sequer se sentia a ausência de oportunidades para uma vida melhor. A mudança da produção para a economia capitalista conduzida pelo Estado na década de 1960, o ideal de mobilidade social não só estava presente entre os migrantes e trabalhadores de um modo geral, como também se tornou realidade. Foram décadas de crescimento contínuo, com esperanças legítimas de mobilidade no horizonte da população. A realidade se materializou para muitos. Mas, não para todos.

As pesquisas de opinião pública de meados da década de 1980 registravam o desencanto da população com os políticos, governantes, empresários. A quem atribuir a perda de expectativas? Valeria a pena relembrar a dinâmica que desaguou em pessimismo da população em relação ao futuro. À época da queda do regime militar no Brasil com as primeiras eleições livres se sucedendo, a população brasileira depositava esperanças no novo tempo. Quem sabe uma mudança institucional traria impulsos capazes de fazer crescer a economia, ampliar empregos, com elites políticas priorizando a democracia social como projeto político?

Não se passaria muito tempo para que o desencanto e a desesperança com a política novamente se instalassem, diante da incompetência dos governos e governantes em minimizar as perdas na qualidade de vida, a percepção de índices altos de corrupção, a ausência de projetos políticos no combate à desigualdade. Hoje, 20 anos depois, o desencanto é ainda maior: 63% da população pesquisada em 60 países pelo Instituto Gallup não acreditam na honestidade dos representantes e não acreditam que seus filhos viverão em um mundo melhor.

A “crônica do desencanto com a política” era o que se escrevia. Não é para menos: a dinâmica da globalização nos trouxe dias mais difíceis do que aqueles do capitalismo industrial, aprofundando as diferenças. Sob o capitalismo digital, a marginalização social ainda tornou-se maior, ao excluir as pessoas que não apresentam capacidade de acesso ao mundo digital. Os governos, por seu lado, sofrem pressões externas porque têm de coordenar ações em sintonia com o que ocorre no plano internacional, vulneráveis às crises financeiras de outros países. Internamente, têm de responder às demandas da sociedade, premidos pelas restrições impostas pelas crises fiscais. O combate à corrupção é débil. A impunidade é evidente. Milhões de recursos drenados para fora, sem que os responsáveis sejam julgados e condenados, em um quadro de generalizada impunidade. Essa é corrosiva, talvez um dos maiores fatores responsáveis pelo desencanto político da população.

A ausência do Estado em áreas do território propicia o crescimento do estado não-constitucional com códigos de honra privada à imagem dos rebeldes primitivos que pretendiam fazer justiça com suas próprias mãos. São máfias, redes de crime organizado e bandos justiceiros exercendo coerção nas barbas de polícias e burocracias em um esvaziamento de liberdades individuais pela ausência de autoridade legal e da efetividade da aplicação das leis.

Se não há perspectivas de melhorias no perfil da estrutura social sem a melhoria das condições de vida e se as possibilidades de emprego continuam reduzidas e, finalmente, se o Estado não implementa políticas de caráter redistributivo, coordenando os interesses das elites correntes e os da população, não surpreende a ninguém os altos índices de descrédito com os políticos. A percepção é de que os políticos e governantes são desonestos. No imaginário da população, os políticos se orientam muito mais por interesses particulares do que pelos coletivos. Mesmo assim, as saídas têm sido buscadas pelas vias da participação na sociedade, nos fóruns dos movimentos sociais, na construção de redes de solidariedade horizontal, onde as pessoas sentem-se úteis, engrandecidas, esquecendo as mazelas das ilusões perdidas. Não fosse assim, o desencanto ainda seria maior.

 
nádia timm
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