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  • entrevista com Flavia Maria Cruvinel
     

    Música e transformação

    "Ensino coletivo desmistifica paradigmas como dom e talento"

    Nesta entrevista, Flavia Maria Cruvinel revela os bastidores de sua pesquisa para a dissertação de mestrado, que resultou no livro "Educação Musical e Transformação Social: uma experiência com o Ensino Coletivo de Cordas” .

    A educadora musical apresenta, com detalhes, a história do processo de ensino-aprendizagem no Brasil e mostra o quanto esta metodologia, na iniciação instrumental, pode contribuir para o despertar e o desenvolvimento da cidadania.

     

    foto Rosa Berardo

     

    eNT Nádia Timm -  Por que você escolheu este tema?

     A escolha do tema se deu através da minha experiência pedagógica com o ensino coletivo e por ser um tema ainda pouco pesquisado e difundido no país.

    Em 1999, estava pesquisando o ensino do violão a partir do enfoque lúdico e criativo, voltado para crianças de cinco a oito anos, quando tive a oportunidade de conhecer o professor João Maurício Galindo, de São Paulo.

    Ele me apresentou, através de um curso, a metodologia de ensino coletivo de cordas que havia sistematizado para o Projeto Guri de São Paulo.

    A identificação foi imediata já que os princípios pedagógicos eram semelhantes aos que eu utilizava no ensino do violão. Então, comecei a trabalhar com ensino coletivo de cordas, onde comecei a observar aspectos interessantíssimos que poderiam ser pesquisado.

    Em 2001, fui aprovada na seleção do mestrado em música da EMAC-UFG, propondo pesquisar o ensino coletivo de cordas como instrumento de transformação social, que neste ano está sendo publicado na forma de livro.

    eNT Nádia Timm -  O ensino coletivo de cordas na iniciação instrumental é recente ?

    Pode-se falar que sim. A primeira experiência que ganhou projeção com ensino de cordas de maneira sistematizada ocorreu na década de 70, na cidade de São Paulo, com o professor Alberto Jaffé.

    O professor Jaffé é responsável pela formação de vários instrumentistas de cordas no país que hoje atuam profissionalmente como solistas e em orquestras, bem como, professores que trabalham com o ensino coletivo de cordas.

    O professor João Maurício Galindo foi um de seus alunos.  Depois no final da década de 70, o professor Jaffé foi convidado a desenvolver esta metodologia em Fortaleza, Ceará.

    Um ano depois, a FUNARTE, o convidou para desenvolver a metodologia em um projeto chamado “Espiral”, começando na cidade de Brasília. Porém, este projeto não durou muito tempo e, no início dos anos 80, o professor Jaffé retornou a São Paulo, onde trabalhou mais um tempo até ir para os EUA, onde mora até hoje.

    Na década de 90, a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, no governo Mário Covas, criou o projeto Guri que, na minha opinião, é o projeto mais bem sucedido no país no que diz respeito ao ensino de música e inclusão social. Este projeto tem seu trabalho reconhecido pela sociedade brasileira e também por organismos internacionais com a ONU e a UNESCO. 

    Em Goiânia, implantamos esta metodologia na EMAC-UFG, através de um projeto de extensão, em 2000. Nossa Oficina de Cordas já tem resultados significativos como alunos que não possuíam experiência com o fazer musical e hoje já estão tocando em Orquestras Jovens, em eventos, entre outros, além de ser sempre um centro de estudo e pesquisas.

    eNT Nádia Timm - Em que a metodologia se distancia do ensino tradicional?

    Acredito que a metodologia de ensino coletivo se distancia das metodologias de ensino de instrumento tradicionais, primeiramente, na filosofia de ensino, no entendimento de que todos indivíduos podem se desenvolver musicalmente.

    O ensino coletivo de instrumentos musicais é voltado para a iniciação instrumental, ou seja, tem duração de no máximo dois anos. No início tinha-se como preocupação democratizar o acesso ao ensino musical, mas com o passar do tempo, os educadores musicais observaram que o ensino coletivo é mais motivante do que o ensino individual, onde os alunos têm um maior estímulo e um maior rendimento.

    O índice de desistência da aula coletiva também é baixo.O aluno na aula coletiva percebe que suas dificuldades são compartilhadas pelos colegas, ou seja, ele não possui um referencial único como na aula individual que é o professor.

    Portanto, o processo de ensino-aprendizagem não é focado no professor, mas todos participam ativamente construindo o conhecimento a ser compartilhado por todos em sala.

    Então o professor funciona como um mediador, um proponente de idéias e atividades a serem realizadas e construídas em grupo. Acredito também que as metodologias de ensino coletivo desmistificam certos paradigmas como “dom” e “talento”.

    Como saber se eu tenho um dom ou um talento especial para desenvolver a atividade musical se eu não tenho acesso a meios (aulas, assistir a concertos, ouvir música, comprar cds etc) que me possibilite atingir tal desenvolvimento?

    Da mesma forma, através do ensino coletivo, o professor atento e sensível, consegue enxergar a individualidade de cada aluno, respeitando a diversidade do grupo. Ou seja, é bom ser diferente, tocar coisas diferentes, gostar de coisas diferentes... Neste ponto, o ensino coletivo se distancia do tradicional que tenta moldar o aluno para tocar apenas um tipo de repertório que foi eleito pela academia por ser “melhor”, ou mais adequado.

    eNT Nádia Timm -  De que forma  o ensino de música pode ser instrumento de transformação social?

    Com base no que falei anteriormente, o ensino coletivo propicia o maior envolvimento do aluno com a aula de instrumento e com o ambiente artístico como um todo. 

    A aula é conduzida de maneira democrática, onde a participação de todos os indivíduos envolvidos nesse processo é imprescindível. Da participação ativa de todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem vão surgindo novas idéias, novos comportamento, novos valores.

    Em uma orquestra todos os componentes têm a mesma importância. Então, os alunos desde a primeira aula são levados a pensar e agir de formar diferenciada, são levados a respeitar o próximo, saber ouvir o colega e o professor, e aos poucos vão compreendendo que a sua participação é importantíssima, porém, o foco não está só nele, mas em todos.

    Por isso, acabam desenvolvendo o sentimento de cooperação, solidariedade, mas ao mesmo tempo como ele está se conscientizando do seu papel dentro do grupo, desenvolve autoconfiança, autonomia, independência, senso crítico, aumento da auto-estima e de uma certa forma uma conscientização política e noção de cidadania.

    Isso sem contar com as habilidades desenvolvidas importantes para o fazer musical como a percepção auditiva, coordenação motora, concentração, memória, raciocínio, agilidade, relaxamento, disciplina, entre outras.

    Então, aos poucos, todos os envolvidos neste processo vão modificando sua maneira de pensar e agir e em uma visão maior, este indivíduo vai modificando o seu meio e conseqüentemente, a sociedade.

    eNT Nádia Timm - Ao observar o Grupo Comunidade (formado por pessoas da comunidade em geral) e Grupo CEACA (formado por pré-adolescentes e adolescentes em situação de risco) quais foram as conclusões mais importantes?

    O grupo denominado Comunidade era formado por pessoas da comunidade goianiense que procuravam a Oficinas de Cordas para iniciar seus estudos musicais, através de inscrição. Portanto, era um grupo formado por pessoas da classe média, com diferentes perfis e nível sócio-econômico e cultural.

    Nesse grupo tinha estudantes secundaristas, universitários, donas de casa, entre outros.

    Já o Grupo CEACA era formado por pré-adolescentes e adolescentes que atuavam no mercado informal, a grande maioria engraxates e vigias de carro. Portanto, o nível sócio-econômico e cultural era parecido, sendo que a maioria morava na mesma região (Bairro Goiá e adjacências).

    O processo de ensino-aprendizagem do Grupo COMUNIDADE ocorreu normalmente se comparado aos outros grupos anteriores ao experimento, ou seja, em aproximadamente quatro meses, conseguiram se alfabetizar musicalmente (ler partituras), fazendo o mesmo repertório que os grupos anteriores e indo um pouco mais além: este grupo participou de três recitais, tocando inclusive peças com grupos de veteranos.

    Um sucesso para quem entrou no projeto sendo considerado “leigo” em música, ou seja, sem nunca ter passado por algum processo de formação musical. Já o processo de ensino-aprendizagem do Grupo CEACA (Centro de Atendimento à Criança e ao Adolescente, instituição ligada a Sociedade Cidadão 2000) foi totalmente diferenciado.

    Devido à história de vida de cada um e as dificuldades sociais, o comportamento dos meninos do CEACA era diferente. A maioria possuía escolaridade de 4ª e 5ª séries e já haviam abandonado os estudos. Passavam o dia nas ruas engraxando sapatos e vigiando carros para ganhar dinheiro.

    Alguns desses meninos sustentavam suas casas, já que os pais se encontravam desempregados ou mesmo desestruturados pelos vícios. Uma realidade duríssima! Essa realidade refletia, evidentemente, dentro de sala de aula. No início ocorriam discussões, bate-boca, até agressões...

    Nas primeiras aulas, me senti frustrada já que não estava conseguindo ajudá-los como queria. Então, para ajudá-los tive que mergulhar no mundo deles: visitava suas famílias, almoçava com eles no CEACA, assistia a outros espetáculos que eles participavam através do CEACA, capoeira, maculelê, circo... Com isso, foi sendo estabelecido um vínculo afetivo entre nós, a confiança necessária para que o processo de ensino-aprendizagem ocorresse.

    A partir daí, foram evidentes algumas mudanças comportamentais, como, por exemplo, o melhor relacionamento em grupo, a melhor disciplina, o despertar para a cidadania, a recuperação da auto-estima, as noções de respeito ao próximo e ao professor.

    No final do curso, os meninos do grupo CEACA conseguiram participar de dois recitais, além, de vivenciar experiências realmente significativas para a vida deles, que são descritas no livro.

    Essa foi uma experiência maravilhosa na minha vida, acho que quem aprendeu mais nesse tempo fui eu!

    eNT Nádia Timm - Quais são os aspectos psicológicos do ensino coletivo?

    Os aspectos psicológicos do ensino coletivo vêm dessa mudança de atitude interior do aluno em relação a sua imagem e tudo ao seu redor, ou seja, a mudança do indivíduo em relação ao seu mundo particular e o externo.

    E essa mudança interna origina uma mudança externa que é percebida através do seu comportamento. Nesse sentido, a causa dessa transformação comportamental se dá primeiramente no seu interior, no seu lado psicológico, ou seja, na melhora da auto-estima, auto-imagem, autoconfiança, independência, autonomia, segurança, sentimento de pertencimento e valorização entre outros.

    eNT Nádia Timm - Qual o panorama do ensino coletivo de instrumentos musicais no Brasil? E no mundo? Há diferenças regionais?

    No Brasil, como frisei anteriormente ainda é recente. As metodologias de ensino coletivo de instrumentos musicais começaram a ser sistematizadas na década de 50, a partir dos instrumentos de sopro, tendo o primeiro grande foco a cidade de Tatuí, através do professor José Coelho de Almeida.

    Depois como relatei, o professor Alberto Jaffé iniciou seus trabalhos com ensino coletivo de cordas na década de 70. Somente na década de 90 tivemos o que eu chamo de “boom” do ensino coletivo, com a sua utilização nos projetos sócio-culturais.

    Então, a partir desta época temos vários educadores que atuam com ensino coletivo que fazem trabalhos realmente excelentes, destaco: no Projeto Guri de São Paulo os professores João Maurício Galindo, Enaldo Oliveira, Carmen Borba, Marcelo Brazil, Luciano Lopes entre outros; em Salvador, Ana Cristina Tourinho, Joel Barbosa, Diana Santiago; em Brasília, Maria Isabel Montandon; em Belo Horizonte, Abel Moraes; em Natal,  Werner Aguiar e Adriana Oliveira Aguiar; em Belém Ana Margarida Lins de Carvalho; entre outros.

    No ano passado, realizamos aqui em Goiânia, o I ENECIM (I Encontro Nacional de Ensino Coletivo de Instrumentos Musicais), reunindo a maioria destes educadores que citei. Foi um grande passo para o início de um intercâmbio entre os educadores que já atuam na área, divulgando seus trabalhos, bem como, para os educadores que ainda nunca haviam ouvido falar do tema.

    Por isso, acho que a área é recente. Ainda estamos na fase de mapeamento, de descobrir quem trabalha e como. Se comparado à Europa e aos EUA, o ensino coletivo de instrumentos no Brasil é bem novo, já que nos países europeus e EUA já se trabalha com o ensino coletivo desde o século XIX.

    Acredito que isso se deva a uma grande resistência por parte dos nossos educadores musicais em atuar com o ensino coletivo por ser algo novo, ainda a ser construído, e requerendo do professor muito estudo, pesquisa, energia e sobretudo, uma mudança de pensamento em relação ao ensino musical seus fundamentos e funções.

    Sobre se há diferenças regionais, com certeza o educador deve estar atento à cultura regional, a maneira de viver daquele grupo, para que ele consiga demonstrar para o aluno que o que se trabalha em sala de aula é importante para sua vida.

    Com isso, antes de se começar a trabalhar algo novo, distante da realidade do aluno, é mais interessante o educador partir do cotidiano do aluno, valorizando a sua bagagem cultural, trabalhando o que lhe é familiar, para depois, mostrar novas formas de pensar e fazer música. Desta forma o educador se aproximará do aluno, a aprendizagem será significativa, pois o conhecimento é construído através do diálogo entre o professor e o aluno e do compartilhar de saberes.

    eNT Nádia Timm - Onde os internautas podem obter o livro?

    O livro vai ser vendido no Sutri – Restaurante, Café e Livraria, situado à Rua Dr. Olinto Manso Pereira, n. 1165 - Setor Sul, em Goiânia, onde será lançado, no dia 10 de agosto próximo, às 20h.

    Mas também pretendo disponibilizá-lo no meu site, que já está em fase de construção. Logo, logo, os internautas de outros estados poderão adquirir. Por enquanto, aqueles que se interessarem pela obra podem entrar em contato enviando mensagem para meu e-mail: fmcruvinel@yahoo.com.

    eNT Nádia Timm - Algum toque aos interessados em atuar na área do ensino coletivo de instrumentos musicais?

    Primeiramente, aqueles que querem trabalhar com o ensino coletivo devem ter um preparo específico para atuar na área. O perfil do professor que trabalha com o ensino coletivo é diferenciado.

    O professor deve ter liderança sobre o grupo, ou seja, carisma e respeito. O professor também deve ter habilidade verbal, é importante que o professor seja claro e objetivo no que está propondo.

    Outra característica é que o professor deve ter um “timing”, ou seja, saber conduzir o ritmo da aula, não deixar com que ela fique enfadonha, repetitiva, nem muito puxada, acelerada.

    Tem que perceber como está cada aluno dentro do grupo e a hora certa de mudar de atividade. Essa habilidade requer muita sensibilidade por parte do professor.

     

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