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8 de fevereiro de 2005

Manifesto de Porto Alegre

Desde o primeiro Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre, em janeiro de 2001, o fenômeno dos fóruns sociais se estendeu a todos os continentes, inclusive nos níveis nacional e local.

O Fórum favoreceu a emergência de um espaço público planetário da cidadania e de suas lutas, assim como a elaboração de propostas de políticas alternativas à tirania da globalização neoliberal impulsionada pelos mercados financeiros e as transnacionais, cujo braço armado é o poder imperial dos Estados Unidos.

Por sua diversidade, assim como pela solidariedade entre os atores e os movimentos sociais que o compõe, o movimento altermundista se transformou em uma força que já é levada muito em conta em todo o planeta. Entre as inumeráveis propostas que têm saído dos fóruns, um grande número delas conta sem dúvida com um amplo apoio junto aos movimentos sociais.

Nós, signatários do Manifesto de Porto Alegre, que nos exprimimos a título estritamente pessoal, sem pretender, de modo algum, falar em nome do Fórum, identificamos doze destas propostas que, em conjunto, dão sentido à construção de outro mundo possível. Se fossem aplicadas, permitiriam que a cidadania começasse por fim a reapropriar-se de seu futuro.

Submetemos estes pontos fundamentais à apreciação dos atores e movimentos sociais de todos os países. São eles que, em todos os níveis – mundial, continental, nacional e local – poderão levar adiante os combates necessários para que se transformem em realidade. Nós não temos nenhuma ilusão sobre a real vontade dos governos e das instituições internacionais em aplicar espontaneamente estas propostas.

A) Outro Mundo Possível deve respeitar o direito à vida de todos os seres humanos, mediante novas regras econômicas. Para tanto, é necessário:

1) Anular a dívida pública dos países do Sul, que já foi paga várias vezes e que constitui, para os Estados credores, os estabelecimentos financeiros e as instituições financeiras internacionais, a melhor maneira de submeter a maior parte da humanidade à sua tutela e mantê-la na miséria;

2) Aplicar taxas internacionais às transações financeiras (especialmente a Taxa Tobin às transações especulativas de divisas); aos investimentos diretos no estrangeiro, aos lucros consolidados das transnacionais, à venda de armas e às atividades que emitem de forma substantiva gases que produzem o efeito estufa;

3) Desmantelar progressivamente todas as formas de paraísos fiscais, jurídicos e bancários, que nada mais são do que refúgios do crime organizado, da corrupção e de todos os tipos de tráficos, fraudes e evasões fiscais, operações delituosas de grandes empresas e inclusive de governos;

4) Cada habitante do planeta deve ter direito a um emprego, à proteção social e à aposentadoria, respeitando a igualdade entre homens e mulheres, sendo este um imperativo de políticas públicas nacionais e internacionais;

5) Promover todas as formas de comércio justo, rechaçando as regras de livre comércio da Organização Mundial do Comércio (OMC) e colocando em execução mecanismos que permitam, nos processos de produção de bens e serviços, dirigir-se progressivamente a um nivelamento por alto das normas sociais (tal como estão consignadas nas convenções da Organização Internacional do Trabalho, OIT) e ambientais.

Excluir totalmente a educação, a saúde, os serviços sociais e a cultura do terreno de aplicação do Acordo Geral Sobre o Comércio e os Serviços (AGCS) da OMC. A convenção sobre a diversidade cultural, que atualmente está sendo negociada na Unesco, deve fazer prevalecer explicitamente o direito à cultura sobre o direito ao comércio;

6) Garantir o direito à soberania e segurança alimentar de cada país, mediante a promoção da agricultura campesina. Isso pressupõe a eliminação total dos subsídios à exportação dos produtos agrícolas, em primeiro lugar por parte dos Estados Unidos e da União Européia.

Da mesma maneira, cada país ou conjunto de países deve poder decidir soberanamente sobre a proibição da produção e importação de organismos geneticamente modificados destinados à alimentação;

7) Proibir todo tipo de patenteamento do conhecimento e dos seres vivos (tanto humanos, como animais e vegetais) do mesmo modo que toda a privatização de bens comuns da humanidade, em particular a água;

B) Outro Mundo Possível deve encorajar a vida em comum em paz e com justiça, para toda a humanidade. Para tanto, é necessário:

8) Lutar, em primeiro lugar, por diferentes políticas públicas contra todas as formas de discriminação (sexismo, xenofobia, anti-semitismo e racismo). Reconhecer plenamente os direitos políticos, culturais e ambientais (incluindo o domínio de recursos naturais), dos povos indígenas;

9) Tomar medidas urgentes para colocar um fim à destruição do meio ambiente e à ameaça de mudanças climáticas graves devido ao efeito estufa resultante, em primeiro lugar, da proliferação do transporte individual e do uso excessivo de energias não renováveis.

Começar a implementar outro modelo de desenvolvimento fundado na sobriedade energética e no controle democrático dos recursos naturais, em particular a água potável, em uma escala planetária;

10) Exigir o desmantelamento das bases militares estrangeiras e de suas tropas em todos os países, salvo quando estejam sob mandato expresso da Organização das Nações Unidas (ONU);

C) Outro Mundo Possível deve promover a democracia desde o plano local até o global. Para tanto, é necessário:

11) Garantir o direito à informação e o direito de informar dos cidadãos mediante legislações que: a) ponham fim à concentração de veículos em grupos de comunicação gigantes; b) garantam a autonomia dos jornalistas diante dos acionistas; c) favoreçam a imprensa sem fins lucrativos, em particular a dos meios alternativos e comunitários.

O respeito destes direitos implica contra-poderes cidadãos, em particular na forma de observatórios nacionais e internacionais de meios de comunicação;

12) Reformar e democratizar em profundidade as organizações internacionais, entre elas a ONU, fazendo prevalecer nelas os direitos humanos, econômicos, sociais e culturais, em concordância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Isso implica a incorporação do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e da Organização Mundial do Comércio ao sistema das Nações Unidas.

Caso persistam as violações do direito internacional por parte dos Estados Unidos, transferir a sede da ONU de Nova York para outro país, preferencialmente do Sul.

Porto Alegre, 29 de janeiro de 2005

Assinam o documento:

Adolfo Pérez Esquivel; Aminata Traoré; Eduardo Galeano; José Saramago; François Houtart; Armand Matellart; Boaventura de Sousa Santos; Roberto Sávio; Ignácio Ramonet; Ricardo Petrella; Bernard Cassen; Samuel Luis Garcia; Tariq Ali; Frei Betto; Emir Sader; Samir Amin; Atílio Borón; Walden Bello e Immanuel Wallerstein.


 

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