Matéria

3 de fevereiro de 2005

Cinema e artes plásticas

"Sem projetos, sem idéias e com US$ 4 mil, decido comprar um filme. Dois mil dólares para mim, pelo filme antigo (Ação e Dispersão) e dois mil para o filme novo (Um artista sem idéia). Mil para comprar o filme e mil para divulgação, produção de site, cópias, inscrição em festivais, etc.

O titulo é provisório, mais tarde dará lugar ao título do filme comprado; “Uma lágrima e uma flor”, por exemplo.

Os textos abaixo surgiram em resposta aos quase 100 e-mails recebidos depois da divulgação do projeto e de uma conversa com Claudia Tavares e Dani Soter sobre o Projeto Artista sem Idéia:

Origem

Esse projeto só existe porque ganhei um prêmio com um outro trabalho - Ação e Dispersão - e é com o dinheiro do prêmio que eu estou realizando o Artista sem Idéia.
Na noite da premiação, em Basel, na Suíça, várias pessoas me perguntavam qual era o próximo projeto, eu mal conseguia digerir o prêmio e já me perguntavam pelo próximo. Não tinha idéia, mas tinha dinheiro.

Editais

É uma humilhação para o artista participar de tantos editais, com freqüência inevitáveis. Há um efeito estético que tendemos a desprezar nesta estratégia de poder. Neste projeto, eu deixo de ser um artista para ser uma empresa, uma organização. Sempre me interessou, nesse projeto, criar uma máquina que funcionasse de modo autônomo e imprevisível, que regula mas que não domina seus efeitos, nem social nem esteticamente.

Eu respondi a todos os mails que recebi, o que era muito interessante. Estou descobrindo que esse é o filme mais trabalhoso que eu já fiz. Algumas pessoas diziam assim: obrigado por ter respondido, como se eu fosse uma grande empresa, uma instituição e não um cara que faz vídeo.

Imprevisível

Podes imaginar a excitação de saber que daqui há dois meses eu terei um filme novo e até agora não tenho a menor idéia do que ele será e, até o último momento eu posso oscilar entre coisas muito diferentes? Até o último momento o meu ato muda tudo. Posso escolher quem eu quero ser na hora da escolha. Nada mais terá valor em si, tudo será contaminado por essa escolha que não tem como ser medida e que pode ser adiada até o último momento.
Essa presença humana; minha, das pessoas que mandam filmes, dos 100 e-mails que recebi nos dois primeiros dias, etc, associada a esse radical descontrole, essa abertura em que a obra ainda se apresenta é um dos aspectos que mais me interessam nesse projeto.

Dúvidas

Queria fazer um filme onde você tivesse mesmo dúvidas se se trata de um filme, tal a força com que ele aponta para fora, a força com que ele aponta para um estado de coisas que o ultrapassam, queria que cada imagem remetesse o tempo todo para um fora radical, para algo que não está ali.

Acho que este projeto tem esse micro-efeito; o filme escolhido, normalmente fadado ao desaparecimento encontrou uma mídia que o reinventa. O filme comprado, ou, os potenciais filmes comprados já estão fazendo seu papel, já estão sendo esvaziados da sua corrente inutilidade.

As imagens são a nossa natureza, são o nosso mundo, habitam o mundo como naturais, como não mais criadas pelos homens. Tenham elas uma assinatura ou não. Esse projeto de alguma forma devolve a autoria para quem as fez, só que para que isso aconteça ele deve desaparecer. É tão absurdo que eu acho bonito.

Estética

Algumas pessoas me escreveram dizendo que era um projeto de mau gosto, talvez elas tenham razão, o filme, que pode ser sublime, terá que carregar esta carga de ter sido comprado, uma carga que está no mundo. Não consigo me imaginar como artista sem ser forçando o limite do que acontece. Talvez a única forma de pensar um determinado estado de coisas seja explicitando a sua lógica, ai o mau gosto aparece. Mas, quanto tempo dura o mau gosto? Uma década, um dia? As questões de gosto na arte são tão desprovidas de robustez que eu tenderia a desprezá-las.

Fetiche

Retirar o fetiche dos créditos. Fazer filmes, botar meu nome nos créditos é uma forma de aparecer. A obra não interessa. A obra é mero meio para tentar achar o valor absoluto/fetiche. - Um êxtase do valor. (Baudrillard).

Entenda, só me incluindo nessa lógica posso explicitar a perversão. Dou um valor ao fetiche e o rei aparece nu. Não estar nos créditos é um insulto porque o efeito Caras invadiu tudo; como ficar fora do único lugar que eu tenho para botar meu nome?

Para alguns artistas é mais gostoso viver nesse lugar separado do mundo, como se fossem enviados, possuidores de um olhar de originalidade absoluta sobre as coisas e que seus trabalhos não tem como ser trocados em valor - o que é feito o tempo todo. Eles ficam lá nas alturas, olhando para essa merdinha de dia-a-dia sem se sujar. Artistas platônicos; uma piada.

Arte

É lamentável que essa separação tenha se estabelecido de forma tão rígida, mas, no vídeo nós temos vários exemplos que rompem essa lógica; é o caso dos mineiros Éder Santos, Cao Guimarães, Lucas Bambozzi, Marcellvs L., Carlos Magno e do Arthur Omar. No maioria do cinema, infelizmente, cada filme parece feito para que o cara tenha a possibilidade de fazer outro. O filme só interessa como afirmação do sistema, como marca da possibilidade de estar inserido, curta-cartão de visita, como se dizia.

Colocar um logo da Petrobras antes do filme tudo bem, colocar 20 logos de padarias a bancos antes do filme, tudo bem, mas tirar o seu nome vira um insulto. A diferença aqui não é de natureza, mas de grau; é isso que o Artista sem Idéia explicita. O filme com os logos é importante, o cara prova que tem boas conexões, que ganhou dinheiro, que está inserido, que tem uma carreira pela frente etc. É sempre mais fácil ser um medíocre e pensar na carreira do que pensar a lógica dessas carreiras e das instituições.

Envio de material até 20 de março de 2005

Rua Nascimento Silva 137/302
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