Matéria

4 de fevereiro de 2005

Além da Quarta-feira de Cinzas
Iara Brasileiro
 
Daiane Souza/UnB Agência

Iara Brasileiro é professora do Centro de Excelência em Turismo (CET) da Universidade de Brasília (UnB), onde coordena o programa de Ecoturismo. É doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP).

 

Como tudo o que é (ab)usado, as palavras ditas ou escritas de forma indiscriminada terminam perdendo seu sentido primeiro. Assim acontece, hoje em dia, com a sustentabilidade.

Talvez por ser considerado politicamente correto fazer os outros pensarem que somos engajados em temas antes negligenciados ou até mal vistos como a discriminação racial, sexual, ideológica ou religiosa, muitos terminamos por nos apropriar de termos que absolutamente desconhecemos e deles fazemos uso de forma completamente errônea, demagógica ou leviana.

Sustentabilidade, então, convém a tudo: à economia, à ecologia, à política e à cultura, à geografia e às instituições, como se fosse possível aplicar um termo de modo igual a todas as áreas do conhecimento. Ou, como disse Dourojeanni em seu texto Mágica para salvar o mundo, 2004: nada como um “sustentável” para fazer possível o impossível e concretizar qualquer utopia.

No entanto, não é por ser mal usado que um conceito deva ser deixado de lado ou ignorado. Pensar o sustentável e a sustentabilidade já não é a prioridade. Buscá-los, implantá-los, sim, é urgentíssimo. Não é mais possível nos determos apenas ao pensar – importa agir – e rapidamente, antes que já não haja mais tempo.

O carnaval constitui-se em um bom exemplo para a reflexão sobre essas questões. Por ocasião das festas, quaisquer sejam elas, a mídia anuncia o aumento das contratações e os governos local e federal aproveitam para também comemorar a baixa nos números do desemprego. Os dados divulgados são sempre animadores e promissores: tantos milhares de empregos serão/foram gerados, a arrecadação superou os tantos milhões de dólares americanos e isso significou tal proporção do PIB fazendo com que os números da balança comercial fossem favoráveis dessa e dessa maneira...

No entanto, no cotidiano posterior às festividades, qual é a realidade? Muitos poucos foram os contratados efetivamente, raros os que tiveram sua situação de emprego regularizada. A fila do desemprego ou do subemprego continua parecer não ter fim.

O carnaval está aí. Em todas as grandes cidades, principalmente, já se contam aos milhares os que solicitaram autorização junto aos órgãos competentes para venderem seus produtos. As vendas irão desde o churrasquinho na esquina às grandes marcas de bebidas, das empresas de comunicação e telefonia, supermercados e bancos, aos vendedores de água. Grandes e pequenos irmanados em uma mesma atividade – a dos negócios.

E nesse momento, nada melhor do que atrair os turistas – estrangeiros ou brasileiros. Segundo dados da Emtursa (BA), por exemplo, no ano passado, 950 mil turistas passaram por Salvador durante os festejos carnavalescos gerando cerca de US$ 291 milhões comprovados, e aproximadamente 200 mil empregos.

São números impressionantes, sem dúvida. Mas o que significam no pós-carnaval? O que aconteceu com os quase 70 mil vendedores, e com os 60 mil “cordeiros” (homens que seguram as cordas de segurança entre os blocos carnavalescos)? Para onde foram os recursos arrecadados tanto pela iniciativa privada como pelos governos locais? Foram injetados em programas sociais da cidade? Foram aplicados na saúde, nos transportes ou na educação? As grandes marcas investidoras que, em muitos casos, financiaram muitas atividades, absorveram quantos por cento dessa mão de obra? E as empresas prestadoras de serviços turísticos, quantas carteiras de trabalho assinaram?

E isso não ocorreu somente na Bahia. É apenas um exemplo, sem, de modo algum, entrar no mérito deste ou daquele estado e de suas políticas.

Sustentável é a atividade que perdura. Dar sustentabilidade a algo significa procurar garantir que as gerações futuras possam também desfrutá-lo.

Tornar o carnaval brasileiro sustentável do ponto de vista do turismo não parece ser uma tarefa muito difícil. Os números têm demonstrado a grandeza e a grandiosidade desse acontecimento nacional. O desafio está em trazer a sustentabilidade para o evento e isto quer dizer: gerar dinheiro, distribuir renda, respeitar a cultura e preservar o ambiente. Ou seja: ser ecologicamente correto, economicamente viável e socialmente justo.

Sustentar o carnaval é uma coisa. Garantir sua sustentabilidade é outra, muito diferente, pois envolve a adoção de um novo paradigma de consumo e de relações não só entre homem e natureza como entre homem e homem, em atitudes de solidariedade, de respeito e de paz consigo e com o outro.

Para isso, nada melhor do que o turismo, com sua capacidade inerente de unir pessoas e povos de diferentes culturas e hábitos, abertos para o novo e para o desconhecido, mas dispostos, por princípio, a compartilhar, a aprender e a mudar.

 

 

 

 

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