O despertar da militância

 

por Cristovam Buarque



De repente, parece que o PT morreu. Essa frase, porém, contém duas
inverdades: não foi de repente, e ainda não morreu. Não morre de repente um partido com 25 anos de luta, sonhos, combatividade e 800 mil militantes espalhados pelo país. Mas os militantes estão perplexos, envergonhados, e isso pode levar à morte do partido. Especialmente se não tiverem clareza de que a crise é mais profunda do que levantam as denúncias de um deputado.

Ela tem raízes na história do PT e no comportamento do governo. Não foi importada, foi criada por nós. As denúncias apenas apressaram o afloramento de uma crise já existente.
O PT precisa admitir que a crise é sua, de sua história, de sua prática no poder. Não pode culpar a oposição.


O PT nasceu contestador. Opunha-se ao regime, ao sistema, aos modelos, mas não tinha uma bandeira nítida para o futuro. Era um agrupamento de movimentos sociais, sindicatos, grupos de esquerda, descontentes e inconformados com a ditadura, com o capitalismo e com as utopias socialistas tradicionais. Já não propunha o socialismo nem aceitava o capitalismo.

Não era o portador de uma nova utopia.
Cresceu dividido. Por falta de uma bandeira aglutinadora e para sobreviver, o PT dividiu-se em tendências. Uniam-nas a postura ética e a figura de Lula, mas não havia projeto comum. Dividido em grupos, não conheceu a unificação.


Fortaleceu-se pela reivindicação. Os discursos de suas várias tendências geravam reivindicações que não compunham um programa. Ao contrário de partidos organizados em torno de um projeto de sociedade, o PT fortaleceu-se como guarda-chuva de reivindicações corporativas que, somadas, não poderiam ser atendidas. Era um guarda-chuva que, no governo, seria insuficiente para cumprir todas as promessas.


Desenvolveu uma visão a partir do centro. Nascido no ABC, liderado por sindicatos, com visão reivindicatória, o PT não foi capaz de enxergar o Brasil em toda a sua complexidade. Viu o futuro como uma continuação do velho modelo nacional concentrador, que exigia apenas uma melhor distribuição de lucro e salário para os que têm emprego.

Mostrou um novo lado do mesmo eixo, entre capital e trabalho, sem incluir os excluídos nem inventar um futuro diferente. Vê o Brasil como um conjunto de Estados-satélites de São Paulo.


Venceu pela crise. O PT e Lula representavam a última esperança, depois de mais de cem anos de República liderada por uma minoria privilegiada, que construiu uma sociedade dividida e doente, e não uma nação.

A eleição de Lula para a Presidência não foi a vitória da melhor proposta para o país, e sim o fracasso dos demais partidos e líderes.
Amadureceu acomodado. Com uma origem corporativa, um viés regionalista e uma visão mais economicista que social, o governo do PT deixou de executar programas transformadores da sociedade brasileira. Não definiu seu legado.


Igualou-se, do ponto de vista das propostas, às forças que antes combatia.


Perdeu-se na arrogância. Sem legado próprio, sem bandeira aglutinadora, aprisionado por um grupo regional de São Paulo, o governo do PT perdeu-se na prática política arrogante, isolada. O núcleo central do poder julgou-se acima de qualquer suspeita e, portanto, livre para desprezar o diálogo e relaxar no cumprimento da ética. Fechou-se em um grupo restrito, desperdiçou energia em disputas dentro de um só Estado, sem perspectiva nacional.


Casou-se por conveniência. Por falta de um plano que apontasse para um Brasil diferente, aliou-se a interesses que garantissem a reeleição. Foi vítima da reeleição. Desde o primeiro dia, no lugar de presidente, Lula foi obrigado a ser candidato. Com isso, fez alianças arriscadas e foi tratado pela oposição como mais um candidato, não como o magistrado, chefe de Estado, representante de todos os brasileiros.


Envelheceu na incoerência. Sem render-se às críticas, recusou-se a reconhecer suas fragilidades. Preferiu justificar suas falhas afirmando que os outros partidos faziam o mesmo no passado. Nivelou-se por baixo, do ponto de vista ético, e perdeu a razão de existir. Tentou rebater, em vez de absorver, críticas de adversários e sugestões de aliados.


Mas não morreu. Além da sua direção está uma militância descontente, mas ainda coerente, comprometida, confiante na possibilidade de um novo rumo.


Por isso, o PT precisa admitir que a crise é sua e de seu governo, de sua história, de sua prática no poder. Não pode culpar a oposição. Precisa também libertar a esperança do fechado núcleo que o controla, descobrir o Brasil vasto e real, vice-campeão de exclusão, e a necessidade de reorientar seu futuro, completar a abolição e a República.


Se o fizer, terá a chance de definir propósitos claros e transformadores, traçar regras rígidas de comportamento ético dos seus militantes, especialmente dos que ocupam postos no governo. Mas isso não é tarefa somente para seus atuais dirigentes.

Só um despertar da militância impedirá a morte anunciada do PT, garantido a formulação de um projeto comum para mudar o Brasil e o resgate de seus sonhos, de sua combatividade e de seu comportamento ético.


Cristovam Buarque, 61, é doutor em economia, é senador pelo PT-DF. Foi ministro da Educação (2003-04), governador do Distrito Federal pelo PT(1995-98) e reitor da Universidade de Brasília (1985-1989).

Artigo publicado na Folha de S. Paulo do dia 28/06/2005.

 

 

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