Continuidade, apesar da ruptura retórica Virgílio Caixeta Arraes |
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Costuma-se apontar a política externa do governo Lula como o ponto mais favorável de seu mandato, ao possuir características mais afeitas ao antigo ideário proposto pela coligação vencedora das eleições de 2002. Todavia, enevoa-se o debate sobre ela em decorrência da falta de uma definição acerca não de seus fundamentos específicos ou da equipe escolhida, mas do projeto governamental a que ela se integra. Não é possível estabelecer um projeto burocrático progressista quando o centro do poder é deliberadamente conservador, não por opção temporária, mas sim estratégica. Em outras palavras, a despeito da incisiva retórica presidencial sobre a expansão (considerada positiva) da presença política do país perante a comunidade internacional, não há marcos significativos na gestão, se observadas as premissas estipuladas no antigo programa partidário. Tal ausência de feitos não expressa ineficiência do grupo diplomático dirigente, dentre o qual se destaca o titular da Secretaria-Geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, mas sim os limites perenes da escolha efetivada pela Presidência da República desde janeiro de 2003. Desse modo, a inserção internacional enfatiza a vertente econômica por meio da qual se sobressai o modelo agroexportador – sujeito às vicissitudes de consumo do Primeiro Mundo e questionável do ponto de vista ambiental e da distribuição de renda – dentro da aceitação plena do livre mercado. Nesse sentido, encaixa-se a fundação do G-20, estabelecido em agosto de 2003, ou a ênfase menos política que comercial do Mercosul, incapaz de debater temas como dívida externa, segurança coletiva, organizações internacionais para deliberações comuns. A política exterior delineada pela aliança progressista no período eleitoral havia contemplado o reconhecimento do entrelaçamento significativo do Brasil no sistema internacional. O modo, porém, foi equivocado, ao renunciar a uma inserção mais planejada ou ponderada, de forma que atendesse desígnios da sociedade brasileira mais amplamente. Assim, defendia-se uma alteração na postura externa, contudo sem rupturas. Para tanto, a coligação havia enunciado uma fase de transição, mesmo sem definir o período. Decorridos três quartos do mandato, nenhum tipo de modificação ocorreu; nem conjuntural, muito menos estrutural. O norte político-econômico predecessor, outrora criticado, incorpora-se sem sobressaltos importantes à rotina administrativa. Há divergências específicas de determinados membros da equipe governamental em apenas alguns momentos. Portanto, circunstancial, de sorte que a denominada “herança maldita” já está assimilada por seu lado exatamente negativo: a excessiva limitação da capacidade de gerenciar o próprio orçamento nacional, por causa de acordos – voluntários, relembre-se – com organismos internacionais, indiferentes às demandas sociais internas prementes e singulares de cada país. Externamente, o governo havia-se valido do histórico de suas posições da fase pré-presidencial, de contestação do modelo vigente de cunho neoliberal, de modo que a visualização do descompasso entre o praticado e o percebido havia demorado um pouco mais. Ademais, projetos de tom social-democrata viabilizam-se com o decorrer do tempo. Em relação à estrutura administrativa da política externa do Brasil, o governo situa-a em dois órgãos: o Ministério das Relações Exteriores, sendo o principal, e a Assessoria Especial da Presidência da República. Até o presente momento, não há alterações burocráticas de impacto como a diversificação do quadro de embaixadores. Afora uma ou outra embaixada, como Portugal ou Cuba, por exemplo, mantém-se o tradicional sistema de nomeação dos embaixadores a partir dos próprios funcionários do ministério. Outra conformidade à ordem vigente é a busca de um assento permanente no Conselho de Segurança – meta almejada de diferentes modos há décadas na política externa – com vistas a legitimar situações internas, sejam políticas, como no período Bernardes, sejam econômicas, como no Cardoso. Ademais, as articulações não são isentas de contradições: ao articular-se no chamado G-4, ao lado da Alemanha, Índia e Japão, o país ofusca seu relacionamento com a China, franca opositora da aspiração nipônica e, em menor escala, com a Itália ou Paquistão. Por último, a liderança do Brasil em uma missão estabilizadora no Haiti, avalizada pela Organização das Nações Unidas, de 30 países não elide o fato de que houve ali um governo preliminarmente derrubado por um golpe de Estado em fevereiro de 2004, com a anuência de algumas grandes potências. Na época, a Comunidade e Mercado Comum do Caribe (Caricom) havia protestado, amparada em declarações do próprio Presidente Aristide, deposto pela segunda vez. Críticas de organizações não governamentais tornam-se constantes, ao apontar falhas no processo de estabilização política, desarmamento e respeito a direitos humanos. Assim, o Brasil encontra-se diante de uma encruzilhada porque, com o decorrer do tempo, a falta de apoio, inclusive financeiro, de outros países contribui para o desgaste da condução da operação coletiva, observada com desconfiança por Estados da região. Virgílio Caixeta Arraes é professor voluntário do Instituto de Relações Interanacionais da Universidade de Brasília (UnB). É doutorando em História das Relacões Internacionais pela mesma universidade, é editor-adjunto do Relnet, site brasileiro de referências na área e do Via Mundi, boletim de análise do estado da arte nesse campo de conhecimento.
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