Sonho e realidade

 

Por Oscar Niemeyer*

Sempre falo da conveniência de cada um de nós ter o seu momento de pausa, de solidão, em que se fica a pensar na vida, na maneira como nela se conduz, numa espécie de autocrítica que a todos faz muito bem.

E, preocupado com os problemas políticos que surgem, com a "débâcle" soviética, que tantas controvérsias provoca, sobre esse tema venho me detendo com o maior interesse.

Uns vêem o que ocorreu como um fato a se repetir através dos tempos, sem perder o ímpeto inicial. E, confiantes, lembram os 70 anos de glória que a Revolução Russa viveu, transformando um país de mujiques na segunda potência mundial.

Recordam, com orgulho, como foi difícil para a União Soviética vencer o nazismo, os milhões de mortos perdidos durante a guerra. A União Soviética a atender, solidária, o movimento comunista internacional. E, mais ainda, a campanha sistemática que contra ela o imperialismo norte-americano realizava, cada vez mais perigosa e violenta, considerando o desgaste fantástico que a União Soviética sofrera para vencer o nazismo.

E discutem, otimistas, dizendo que tudo vai mudar. Lembram os velhos clássicos russos, Dostoiévski a revelar no seu romance "Os Demônios" como a revolução, já naqueles tempos, vivia nos corações de seus personagens. Uma posição política que adoto com o maior entusiasmo.

Às vezes, ao conversar com um velho camarada, sinto que qualquer coisa mudou na maneira de ver o quadro da política internacional, uma certa apatia diante da luta política que antes tanto os interessava. E fico a buscar uma explicação para essa mudança de atitude que alguns assumem e que a mim inquieta.

E, como não raro são pessoas amigas, de correção irrefutável, para elas procuro uma desculpa razoável. Em geral, é gente bem informada, voltada para a leitura. E isso me leva a uma hipótese que por vezes me ocorre e que luto por esquecer: é a idéia de que o regime comunista se limita e se impõe para tornar a vida mais justa, os homens iguais, com as mesmas possibilidades, mas que em nada muda a tragédia do ser humano. Rico ou pobre, culto ou ignorante, nasce e morre -como tudo na natureza.

E uma desesperança, um sentimento de total insignificância deve agravar essa posição de afastamento que nunca esperavam assumir. Para isso contribuiu a própria vida com os seus dramas inesperados e essa falta de perspectiva que o mundo negativo de Schopenhauer duramente exprimia.

É certo que as condições de hoje, após a vitória do imperialismo sobre a União Soviética e a transformação dos EUA em potência mundial hegemônica, tornam mais difícil para os antigos camaradas adotar uma posição de luta política com objetivos claros e mobilizadores.

O imperialismo norte-americano ficou mais arrogante, pretende ser onipotente e aumenta o seu apetite de dominação sobre os povos, especialmente sobre aqueles que têm recursos naturais abundantes. É, sobretudo, o caso do Brasil e, mais particularmente, da Amazônia, cujas imensas riquezas se encontram gravemente ameaçadas pela cobiça dos EUA.

Se isso, por um lado, torna mais fácil identificar a bandeira de luta que há de mobilizar a nação, por outro lado, o comportamento conformado das elites dominantes no país e a disparidade de forças em jogo dificultam o caminho dos que desejam combater pelo país e pelo povo, que ficam mais propensos à apatia, ao desânimo.

Confesso analisar, compreensivo, essa atitude -que às vezes me perturba-, sentindo, como aqueles companheiros, quão perverso é este mundo em que vivemos.

Lembro como o filósofo italiano Domenico Losurdo, em seu livro "Fuga da História?" (Revan), lamenta essa posição de desesperança que alguns camaradas assumiram pelo mundo afora, comparando-os aos judeus, que, dominados pelos romanos, acabaram por aceitar a cultura por eles imposta. Não é o que eu penso em relação aos meus camaradas brasileiros: não se adaptaram a nada, estão apenas decepcionados com a vida - e eu também.

Mas logo reajo - afinal, a nossa existência, curta demais, reclama o mundo de solidariedade e justiça que o comunismo promete. Lutar contra tudo o que ofenda a dignidade humana é obrigação de todos nós.

Reli este texto, preocupado com os problemas de corrupção que se repetem lamentavelmente em nosso país e, mais ainda, com o clima de instabilidade que pode surgir no momento em que defender a nossa soberania tão ameaçada é dever de todos nós.

Lênin dizia que é preciso sonhar - sem sonhar, nada acontece. É claro que o seu sonho, que também é nosso, muitas vezes interrompido, um dia será realizado.

 

* Oscar Niemeyer é o mais importante arquiteto do Brasil e uma referência mundial.

Além de projetar Brasília, capital do Brasil, tem obras edificadas na Alemanha, Argélia, EUA, França, Israel, Itália, Líbano, Portugal, entre outros países.

No final de 2004, lançou "?", pela editora Revam

 

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