16 de maio de 2005

Palestina sem Arafat

por Nelson Bacic Olic


A morte do líder palestino Iasser Arafat, em 11 de novembro de 2004, abriu mais uma era de incertezas em relação ao futuro da Palestina, uma das áreas mais conturbadas do planeta e cujos problemas se arrastam sem solução há mais de 50 anos. Poucos personagens da história mundial foram tão contraditórios quanto Arafat.

Encarado por alguns como terrorista e por outros como o líder que revelou para o mundo a causa dos palestinos, povo sem terra, nação sem Estado. A luta que norteou todos os instantes de sua vida política foi a da criação de um Estado palestino. Apesar de ter dado vida à causa palestina, Arafat morreu sem ter visto concretizado seu objetivo maior. A trajetória política do líder palestino nunca foi uma linha reta.

Pelo contrário, o caminho foi quase sempre tortuoso, com idas e vindas, situações que podem ser captadas em suas declarações ao longo do tempo. Assim, em 1972, três anos após ser escolhido como presidente da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), ele declarava: “O fim de Israel é o objetivo de nossa luta e isso impede qualquer tipo de compromisso ou mediação. Não queremos paz. Queremos guerra, a vitória”.

Dois anos depois, num discurso na Assembléia Geral das Nações Unidas, ele declarava: “Viemos aqui com um ramo de oliveira e uma arma de lutador pela liberdade. Não deixem que o ramo de oliveira caia das minhas mãos.” Em 1988 ele afirmava: “Aceitamos o direito de existir de todas as partes relacionadas ao conflito, (...) incluindo o Estado da Palestina e Israel. (...) Rejeitamos todas as formas de terrorismo.”

Neste momento, Arafat já tinha começado a aceitar a criação do Estado Palestino na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Mais tarde, em 1993, a atuação do líder palestino foi fundamental para a concretização do acordo de Oslo, que abriu novas perspectivas para a resolução da Questão Palestina. Por conta disso, Arafat foi laureado em 1994, juntamente com o premiê israelense Yitzhak Rabin, com o Prêmio Nobel da Paz. A imagem do antigo líder terrorista parecia ser coisa do passado...

A pequenez da Palestina


Considera-se que a região histórico-geográfica da Palestina seja formada atualmente por três “entidades” políticas: o Estado de Israel e os territórios da Faixa de Gaza e Cisjordânia, ocupados pelos israelenses na Guerra dos Seis Dias (1967). Esses dois territórios correspondem a apenas 22% dos cerca de 27 mil km2, a extensão total da Palestina.

Os 78% restantes correspondem ao território de Israel, como é reconhecido internacionalmente. A Faixa de Gaza compreende um território de mais ou menos 600 km2 e abriga uma população de 1,3 milhão de palestinos e cerca de 7 mil israelenses. A Cisjordânia é um pouco maior, com mais ou menos 5700 km2 e uma população de 1,4 milhão de palestinos e aproximadamente 300 mil israelenses.

Ressalta-se que todos os israelenses presentes nesses dois territórios são o resultado das políticas de implantação de colônias, postas em prática pelos vários governos de Israel a partir de 1967. Tomando como referência o Brasil, a soma dos territórios da Faixa de Gaza e da Cisjordânia corresponde a uma superfície que se aproxima de 1/3 de Sergipe, o menor estado brasileiro em extensão.

Todavia, os acordos, que tantas esperanças haviam gerado, não conseguiram evoluir satisfatoriamente por conta de uma combinação de fatores.

Primeiramente, a morte de Rabin, em 1995, assassinado por um extremista judeu. Além disso, não funcionou o método israelense de entregar por etapas à soberania palestina as parcelas do já exíguo território da Cisjordânia. Deve-se ressaltar que ao longo do processo o governo israelense nunca deixou de dar continuidade à implantação de colônias judaicasnos territórios ocupados.

O processo de paz iniciado por Yitzhak Rabin e Iasser Arafat, intermediado por Bill Clinton, na década de 1990, não avançou como era esperado. Agora o primeiroministro Ariel Sharon inicia um novo processo para a tão desejada paz… que até o momento parece um objetivo distante Especialmente entre 1996 e 1999, época do governo Netanyahu, o processo de paz passou por uma fase de total estagnação, marcado por atenta dos suicidas praticados por extremistas palestinos e retaliações violentas contra a população palestina por parte do governo israelense. Os acordos políticos de Oslo entraram virtualmente em colapso.

Essa situação trouxe mudanças à política interna israelense, fato confirmado pela eleição de Ehrud Barak para o cargo de primeiro-ministro e que tinha como um de seus objetivos a retomada do diálogo com os palestinos.Pressionado pelo governo norte-americano, no ano de 2000 Barak fez a melhor oferta por parte de Israel aos palestinos.

Arafat, no entanto, recusou, uma vez que a oferta não atendia algumas das principais exigências dos palestinos. A falta de um acordo levou à derrota de Barak nas eleições de 2001, sendo substituído por Ariel Sharon, político historicamente contrário a qualquer acordo de paz com os palestinos e principal responsável pela segunda Intifada (revolta palestina) deflagrada em 2000.

Com Sharon no governo, foi gerado um ciclo de violência. Tendo como base a estratégia de evitar o ataque de homens-bomba palestinos e auxiliado pela conjuntura internacional após os atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, Sharon pôs em prática uma novidade: a construção de um extenso muro separando Israel da Cisjordânia.

Condenado pelo Comitê Internacional de Justiça, o muro já está parcialmente construído e conjectura-se que, quando terminado, terá uma extensão de aproximadamente 700 km.

Na verdade esse muro consolidaria de vez a presença de Israel em amplas áreas da Cisjordânia, ao mesmo tempo em que tornaria o eventual Estado palestino territorialmente fragmentado em pequenas áreas autônomas.

A circulação entre essas áreas autônomas e no território israelense seria totalmente controlada pelas forças de segurança de Israel. Foi assim que um Arafat impotente e cercado por forças israelenses em seu quartel-general na cidade de Ramalah, Cisjordânia, foi vendo se delinear uma situação que deve ter contribuído para acelerar sua morte.

Especialistas em todo o mundo afirmaram que a morte de Arafat, ao mesmo tempo em que punha fim a uma era, abria novas perspectivas de paz para a região. Esse coro foi engrossado tanto pelo governo israelense quanto pelos governos da União Européia e dos Estados Unidos, que inclusive aventaram a hipótese da criação definitiva de um Estado Palestino para 2009.

Em 2003, o próprio governo norte-americano, juntamente com a União Européia, a Rússia e as Nações Unidas já havia esboçado um plano de paz denominado “mapa do caminho”, que, por conta das circunstâncias, não conseguiu ser implementado. Qualquer que seja o escolhido para liderar os palestinos e qualquer que seja o representante israelense que se disponha a negociar um acordo que vise à criação de um Estado Palestino, várias questões terão de ser enfrentadas. São elas:

1. Definição das fronteiras do futuro Estado da Palestina:

Segundo a maioria dos palestinos, as fronteiras internacionais entre o futuro Estado palestino e Israel devem ser aquelas das linhas do armistício firmado ao fim da Guerra dos Seis Dias (1967). Isso significaria aplicar a resolução 242 da ONU de novembro de 1967, que estipulava a retirada israelense de toda a Faixa de Gaza e da Cisjordânia. Em sua melhor oferta, o ex-primeiro-ministro Ehrud Barak, em 2000, se dispôs a conceder aos palestinos toda a Faixa de Gaza e cerca de 90% da Cisjordânia.

Os 10% restantes da Cisjordânia, que abrangem o vale do rio Jordão e dois corredores de circulação entre o vale do Jordão e Israel, seriam compensados por territórios cedidos por Israel aos palestinos no deserto de Neguev. Na época, Arafat não aceitou o acordo. Entre outras razões, pelo fato de que o Estado Palestino, além de ficar dividido em dois territórios – Faixa de Gaza e Cisjordânia –, teria este último fragmentado em três áreas.

2. Jerusalém: como parte integrante dos territórios ocupados em 1967, a parte oriental de Jerusalém está inclusa nos itens da resolução 242 da ONU. Com o eventual estabelecimento do Estado palestino, essa parte da cidade santa seria elevada à condição de capital do novo país. O governo israelense não aceita que os palestinos tenham controle sobre Jerusalém. O máximo oferecido até agora foi a proposta de que alguns setores da parte leste da cidade poderiam passar para o controle dos palestinos. Mas é uma unanimidade em Israel que “Jerusalém é a capital indivisível do Estado judeu”.

3. Colônias: desde que ocupou a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, o governo israelense estimulou a implantação de colonos judeus nessas áreas. Esses colonos são aproximadamente 300 mil (cerca de metade deles em Jerusalém oriental) na Cisjordânia, onde vivem mais de 2,3 milhões de palestinos. Na Faixa de Gaza eles perfazem mais ou menos 7 mil, numa área em que vive 1,2 milhão de palestinos. O governo israelense se recusa a desmantelar a maioria desses assentamentos. Os palestinos afirmam que essas colônias são ilegais e devem ser desmanteladas.

Assim como estão, elas fragmentam os territórios da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, tornando inviável o Estado palestino. Não apenas dificultam enormemente a circulação, mas também impedem que os palestinos tenham acesso a recursos como terra e água. Em 2004, o primeiro- ministro Ariel Sharon decidiu, de forma unilateral, promover o gradativo desmantelamento das colônias da Faixa de Gaza.

4. Refugiados: existem cerca de 3,8 milhões de refugiados palestinos vivendo em países árabes vizinhos. São considerados refugiados todos os palestinos que foram expulsos ou ti-veram de fugir de suas casas por conta dos conflitos que atingiram a região desde 1948, incluindo seus descendentes. Para os líderes palestinos, todo refugiado tem direito de retorno à sua terra natal, assim como o direito a uma compensação financeira. O máximo que Israel ofereceu foi a aceitação do retorno de um número muito reduzido desses refugiados e pequenas indenizações.

5. Água: os palestinos consideram que, se passarem a ter soberania sobre os territórios da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, isso significa o controle sobre os recursos naturais ali existentes. No que concerne à água, os palestinos consideram que têm direito de controle sobre os recursos hídricos situados no interior de suas fronteiras. Israel eventualmente se disporia a aceitar, no máximo, o controle parcial sobre esses recursos.

Documento 1
O programa do primeiro congresso Sionista

Basiléia (Suíça, agosto de 1897)

O sionismo propõe-se a construir um lar para o povo judeu assegurado legalmente e reconhecido publicamente na Palestina. Para alcançar seu propósito, o congresso propõe os seguintes métodos:

1. O estímulo programado para o assentamento na Palestina mediante esforço de judeus agricultores, trabalhadores e os que se ocupem de outros trabalhos.

2. A unificação e organização de todos os judeus em grupos locais e regionais de acordo com as leis de seus respectivos países.

3. O fortalecimento da autoconsciência e da consciência nacional judaica.

4. Fazer os preparativos para obter o consentimento dos governos necessário para a realização dos objetivos do sionismo.

Comentário: Em 1896, Theodor Herzl publicou o livro O Estado judeu, que se tornou o documento básico para a implantação de um lar nacional para os judeus espalhados pelo mundo.

Herzl acreditava que a assimilação dos judeus pelos países que habitavam era desejável, mas, diante do anti-semitismo, isso era impossível. Ele citava a Argentina e a Palestina como possíveis locais para a implantação do Estado judeu, embora outros países, como Chipre, Quênia e Congo, tenham sido aventados.

Todavia, a Palestina acabou sendo a escolhida por suas implicações religiosas; considerada a “Terra Prometida” por Deus ao povo judeu.

Documento 2
A Declaração Balfour

Londres (novembro de 1917)

Prezado Lord Rothschild

Tenho muita satisfação em comunicar-lhe, em nome do Governo de Sua Majestade, a seguinte declaração de simpatia com as aspirações dos judeus sionistas, que foi submetida e aprovada pelo Gabinete:

“O Governo de Sua Majestade vê com aprovação o estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu, e fará todos os esforços para facilitar a obtenção de tal objetivo, ficando claramente expresso que nada será feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não-judaicas na Palestina ou os direitos e status políticos dos judeus em qualquer outro país.”

Eu agradeceria se V. Excia. pudesse levar esta declaração ao conhecimento da Federação Sionista.

Sinceramente,

Arthur James Balfour

Comentário: A Declaração Balfour é considerada o documento fundamental para a causa da criação de um Estado judeu na Palestina, na medida que o mesmo era assinado por um alto membro do governo britânico. Deve-se lembrar que a Grã-Bretanha, grande potência da época, estava envolvida na Primeira Guerra Mundial e precisava de todos os apoios possíveis para vencê-la. Salienta-se também que a própria declaração deixava claro que as comunidades não-judaicas da Palestina não deveriam ter seus direitos civis ou religiosos prejudicados.

Documento 3
Relatório da Comissão Peel (1937)

Londres (1937)

(...) Manifestamente, o problema não poderá ser solucionado dando-se aos árabes ou judeus tudo o que eles querem. A resposta à questão “Qual deles irá no fim governar a Palestina?” deve ser, seguramente “Nenhum”, (...) “Meio filão é melhor que nenhum pão” é um provérbio peculiarmente inglês; e, considerando a atitude que tanto os representantes árabes como os judeus adotaram perante a comissão, achamos improvável que cada parte se satisfaça com as propostas que submetemos para o ajuste de pendências.

A partilha significa que ninguém terá tudo o que quer. (...) Porém, parecenos possível que, após reflexão, ambas as partes reconheçam que as perdas da partilha serão compensadas por suas vantagens.

Pois ela não oferece a nenhuma parte o que querem, porém a cada uma o que mais querem: liberdade e segurança.

Comentário: O Império Otomano, que tinha o controle sobre amplas áreas do Oriente Médio, inclusive a Palestina, saiu derrotado ao final da Primeira Guerra Mundial. Uma das conseqüências da derrota otomana foi a perda de grande parte dos territórios que estavam sob seu domínio. Parte desses territórios perdidos, inclusive a Palestina, passou para o controle britânico.

Durante as décadas de 1920 e 1930, houve expressiva migração judaica para a Palestina, fato que gerou conflitos entre os novos habitantes e a majoritária população árabe da região. O acirramento dos conflitos entre as duas comunidades levou o governo britânico a criar uma comissão para investigar os crescentes distúrbios que ali ocorriam. Chefiada por Lord Robert Peel, a comissão fez extenso relatório em que, de um lado, reafirmava os pontos pró-judaicos da Declaração

Balfour e, de outro, reconhecia a força e a justiça das pretensões dos árabes da Palestina por independência. Paradoxalmente, afirmava que as promessas feitas a árabes e judeus eram irreconciliáveis. Do ponto de vista territorial, a comissão recomendava a divisão da Palestina em três áreas: um Estado judeu, um Estado árabe e uma região que continuaria sob a tutela britânica e que abrangia áreas de cidades como Jerusalém, Belém e

Ramalah. Esta foi a primeira versão oficial que propunha a divisão da Palestina em dois Estados.

Documento 4
Trechos da resolução 242 do Conselho de Segurança das

Nações Unidas (novembro de 1967)

O Conselho de Segurança Expressando sua preocupação permanente com a grave situação do Oriente Médio; Enfatiza a inadmissibilidade da aquisição do território pela guerra e a necessidade de trabalhar por uma paz justa e duradoura na qual cada Estado na região possa viver em segurança; (...) Afirma que a efetivação dos princípios da Carta (da ONU) requer o estabelecimento de uma paz justa e duradoura no Oriente Médio que inclua a aplicação dos dois seguintes princípios:

1. Evacuação das forças armadas israelenses dos territórios ocupados no recente conflito;

2. Encerramento de todas as reivindicações ou estados de beligerância e respeito pelo reconhecimento da soberania, integridade territorial e independência política de cada Estado da região e de seu direito de viver em paz dentro de fronteiras seguras e reconhecidas, livres de ameaças ou de atos de força. Comentário: A declaração 242 da ONU enfatiza pontos que foram parcialmente usados como argumentos por cada um dos lados em conflito.

Assim, os palestinos defenderam que seu Estado deveria ser criado tendo como base as fronteiras anteriores a 1967. Deve-se lembrar que a Cisjordânia e a Faixa de Gaza foram conquistadas pela força, critério não aceito pela Carta da ONU. Por outro lado, a ONU não cita explicitamente nenhuma vez a possível criação de um Estado palestino.

Já os argumentos de Israel se baseiam no item 2 da resolução. Como países árabes e grupos palestinos pregavam a destruição do Estado judeu, Israel alegava que sua integridade territorial, independência e segurança estavam ameaçadas.

Nelson Bacic Olic é geógrafo e autor de livros sobre Geopolítica

 

 

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