Matéria

2 de maio de 2005

Memórias dos tempos de opressão

por Emir Sader

O que acontecia no nascimento da TV Globo, mas ela não noticiava? Agora, se fala dos últimos 40 anos - 20 durante a ditadura - como se a emissora nada tivesse a ver com o que acontecia no regime militar. Darcy Ribeiro resenhou alguns fatos do período.


Ninguém tem o monopólio da memória. Cada um pode lembrar o que queira, o que consiga, o que sua memória lhe permite. Mas o que não é possível é que o monopólio privado da mídia trabalhe sistematicamente para apagar da memória dos brasileiros, o que foram os anos da ditadura militar. Se eles o fazem, é porque todos se alinharam a favor do golpe militar e da ditadura, se comprometeram com a repressão, a tortura, os desaparecidos e todo o regime de terror que se impôs, pela força, aos brasileiros.
Agora se fala dos últimos 40 anos – 20 durante a ditadura – como se tivessem se passado em outro país, sem que a TV Globo tivesse nada a ver – nem no seu nascimento, nem nas suas prerrogativas, nem no seu papel de porta-voz do regime – com tudo aquilo, apenas registrasse o que acontecia. Fala-se de 1965 com assepsia, como se se tratasse apenas do ano de nascimento da TV Globo. Nem sequer se menciona que sua certidão de batismo foi o acordo com a Time-Life.

Apenas para recordar algumas das coisas que ocorreram naquele ano e que, provavelmente, primarão pela ausência nas reportagens feitas sobre 1965 e estarão ausentes também das crônicas dos bajuladores e dos que comem nas mãos dos que nasceram mediante as vantagens da ditadura e sempre foram fiéis a ela.

Vejamos alguns dos fatos resenhados por Darcy Ribeiro – que naquele momento vivia no exílio, condenado e perseguido pela ditadura – em seu livro (esgotado) “Aos trancos e barrancos”. Pode-se pesquisar para saber como essa mesma imprensa privada cobria (ou desconhecia absolutamente) esses fatos essenciais:

- “Os norte-americanos concedem ao novo governo vários empréstimos no valor total de quatrocentos e vinte e cinco milhões de dólares e doam vinte e três bilhões de cruzeiros, resultantes dos acordos do trigo e que sobraram do financiamento do golpe.”

- “O Serviço Geológico dos Estados Unidos rouba e entrega à US Steel os levantamentos realizados por uma empresa brasileira para o governo, graças aos quais se localizou na Serra dos Carajás uma grande jazida de calcário e minério de ferro.”

- “Os milicos instalados no poder se surpreendem e se enfurecem com as eleições para governadores, nas quais a oposição venceu em cinco estados.”

- “O Ato Institucional n. 3 implanta o bipartidismo, dando nascimento à Arena”. “Daí em diante, todo deputado que se opõe efetivamente à ditadura tem seu mandato cassado. Sai quem tem dentes, ficam os que mordem com as gengivas.”

- “O novo Ato Institucional autoriza o governo a legislar por decretos-leis.

- “As Forças Armadas, acatando seu novo destino proclamado, de força auxiliar do exército norte-americano, mandam tropas brasileiras participar das tropelias ianques na República Dominicana.”

- “Castelo Branco começa a falar de fronteiras ideológicas, interdependências e de mundo livre: de fato, se entrega ao alinhamento automático com os Estados Unidos para apoiar todas as tropelias que eles fazem pelo mundo afora.”

- “É promulgada e posta em execução a Lei 4.725, destinada a reduzir os salários reais através dos critérios de fixação do salário mínimo e de controle dos aumentos salariais. A nova lei, somada à repressão policial e à intervenção nos sindicatos, submete o trabalho à servidão frente ao capital.”

- “Intelectuais de prestígio – Antonio Callado, Carlos Heitor Cony, Jaime de Azevedo Rodrigues, Flávio Rangel, Glauber Tocha, Marcio Moreira Alvez, Joaquim Pedro e Mario Carneiro – são presos por se manifestarem contra a ditadura abrindo a faixa “Queremos Liberdade” em frente ao Hotel Glória do Rio de Janeiro, onde se realiza um Congresso da OEA. Outra faixa em espanhol dizia: “Bievenidos a nuestra dictadura””.

- “Grave crise na Universidade de Brasília em conseqüência de repressão a dezessete professores tidos somo subversivos e que recebem solidariedade de todos os demais.”

- “A USP e a UFRJ, bem como uma dezenas instituições culturais, vêem surgir dentro delas, espumantes de ódio, intelectuais repressores que aderem à ditadura e passam a apontar, de dedo duro, a seus colegas mais competentes como subversivos.”

- “O reitor da USP, Gama e Silva, se credencia para ministro do Justiça nomeando uma Comissão Dedo-duro, que compõem laboriosamente uma lista de cinqüenta professores e estudantes dos mais brilhantes e remete aos órgãos de segurança para serem punidos e demitidos.”

- “’É promulgada a Lei Suplicy, que legaliza a perseguição, expulsão e demissão de estudantes e professores e a intervenção nas universidades.”

- “Entra em ação o Acordo MEC-USAID – ratificado secretamente em 1967 para implantar a reforma universitária, que corresponde ao espírito da ditadura, privatizando as universidades públicas e dissolvendo as organizações estudantis. Para isto, o general Meira Matos junta milicos e deseducadores brasileiros com sub-intelectuais norte-americanos contratados pelo mesmo órgão de Washington que patrocinou o treinamento dos torturadores.”

- “A Revista Civilização Brasileira, mensário cultural e político da oposição de esquerda, alcança uma tiragem de quarenta mil exemplares. Eram os brasileiros se perguntando, aflitos: por que o Brasil não deu certo?”

São apenas alguns dos fatos de 1965, ano que marcou também a reocupação das ruas do país por manifestações estudantis, que abriam um novo período de mobilizações populares contra a ditadura.

A conferir quanto disto contará dos balanços do ano em que nasceu aquela que – apesar de um de seus porta-vozes dizer que se tornou um “sonho totalitário destruir a Rede Globo” – teria imortalizado o lema popular nas grandes manifestações de fim da ditadura: “O povo não é bobo. Abaixo a Rede Globo”. Por algo será.

 

Emir Sader, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de “A vingança da História".

publicação autorizada pela Agência Carta Maior

http://agenciacartamaior.uol.com.br/

 

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