O Outro Lado do Rio

Em cada xilogravura de Gilvan Samico há o sinal do aprendizado que matura e se assenta. Nas primeiras, feitas ainda na década de 1950, era clara a presença dos mestres do ofício escolhido – Lívio Abramo e Oswaldo Goeldi –, dos quais herdou sinais contrários que soube, com inventividade e rigor, depois transmudar em linguagem própria.

Transformação que se dá no início do decênio seguinte, quando o artista confronta as técnicas adquiridas com o universo criativo do cordel nordestino. Não tanto, ou somente, com as xilogravuras que ilustravam as capas dos folhetos, mas também, e principalmente, com as histórias ali contadas, narrativas que refundam mitos, arquétipos e lendas.

De recriações gravadas do que lia ou ouvia, passou logo, contudo, a inventar, ele próprio, situações apenas inspiradas naquele universo popular povoado de pessoas estranhas e bichos esquisitos, as quais cavava na madeira e imprimia.

Em trabalhos feitos na década de 1960 e 1970, Gilvan Samico deixa sedimentar as influências diversas e radicaliza a originalidade de sua criação: mescla o verossímil e o imaginado, afirma a simultaneidade de narrativas diversas e adota a oposição simétrica de imagens como marco organizador de muitas das cenas que inventa.

A partir de 1975, entretanto, passa a produzir apenas uma nova gravura a cada ano, embora não haja, nessa economia produtiva, sinais de enfado com os achados. É este, somente, o tempo necessário para que tome forma, com o rigor e a clareza que a pressa por vezes embaça, o mundo de pensamentos e de hábeis gestos por ele criado.

A despeito do seu compromisso irrestrito e ético com os procedimentos técnicos da xilogravura, pouco mais em seu ofício, entretanto, é contido em limites bem definidos. O mundo que o artista cria e grava não fica em lugar algum, ou é lugar somente de encontro e passagem: se está claramente imerso na cultura popular, dialoga também de modo inequívoco com os arranjos construtivos urdidos pela arte moderna. Também não há inserção precisa no calendário daquilo que Gilvan Samico cava e imprime, fazendo da atemporalidade das cenas justamente seu rastro ímpar.

Talvez em nenhuma outra gravura essa transitividade esteja mais evidente do que em O outro lado do rio, gravura de 1980 que empresta o nome a esta mostra. Nela, um homem nada, impassível, em um curso d’água, enquanto, em uma de suas margens, desliza uma cobra e, na outra, esconde-se na vegetação um bicho que parece ser misto de onça e cabra.

Pouco disposto a se encontrar com um ou com o outro animal, o homem parece resignado a continuar nadando em frente, sem optar por um ou pelo outro dos óbvios lados. O “outro lado” de que fala o título do trabalho parece estar mais além, no território enorme da invenção, aquele que não conhece origem ou destino certos. O homem nadando faz como houvera antes feito o personagem de “A terceira margem do rio”, conto exemplar de João Guimarães Rosa, decidido a viver dentro de canoa até a chegada incerta da morte, para sempre vagando no meio da água. Tal como a obra de Gilvan Samico, a do escritor é de classificação impossível, ambas movendo-se entre o que é próprio de um lugar e o que está em nenhuma parte.

Moacir dos Anjos

Diretor Geral do MAMAM

 

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