A África que está em nós

Matilde Ribeiro

Brasil e África foram unidos de maneira trágica pela escravidão e todo o aparato comercial instalado na costa do Atlântico, tanto lá como cá, para o tráfico de escravos. A abolição tardou a acontecer, mas como ela, nossos antepassados conquistaram a liberdade. Iniciou-se aí um outro ciclo que não correspondeu exatamente à conquista da cidadania plena, que ainda continua sendo nosso intuito. Hoje, ainda que nós, brasileiros, mantenhamos fortes laços afetivos com nossas origens culturais e histórias africanas, é também possível que haja um estranhamento quanto ao modo de vida e as expectativas da gente daquele continente.

A verdade é que nós, brasileiros e africanos, sabemos pouco – ou quase nada – um do outro, mas mantemos fortes identidades. Pouco nos conhecemos no que diz respeito a nossas produções, nossas organizações políticas, nossas linguagens. Temos, sim, um forte laço ancestral e cultural.

Podemos imaginar que as ondas e os ventos do Atlântico nos motivaram para a resistência histórica á escravidão e a exclusão social. E que os inexoráveis banhos desse oceano nos revigoram dia a dia para a luta pela liberdade e dignidade.

Salvamo-nos do banzo. Cultuamos, tanto aqui como lá, nossa culinária, nossos tambores, batuques, danças e gingas. Alimentamo-nos da energia de nossos Orixás. Das gerações passadas, temos lembranças das cantigas, dos chás, das rezas e dos conselhos, que pareciam ter sido soprados do leste para estas terras.

Eis o grande desafio: o reencontro do Brasil com suas origens históricas, que resgata uma dimensão essencial e formadora da identidade cultural do povo brasileiro.

O século 21 se inicia com boas novas. Desde 2003, concretiza-se a determinação governamental de aproximação entre Brasil e África, essas duas ligadas pelo Atlântico. Essa aproximação deve ser balizada por uma agenda internacional que preze pela manutenção das relações políticas, econômicas, comerciais e culturais e pelo fortalecimento de laços de amizade e solidariedade com o mundo.

A política externa brasileira, hoje, está centrada em três importantes princípios: o equilíbrio diplomático, com respeito às singularidades dos países e continentes, a valorização das relações efetivas entre nações e o fortalecimento do papel internacional do Brasil.Partimos do principio que o estreitamento das relações com a África reafirma uma obrigação política, moral e histórica, pois não podemos seguir ignorando que o Brasil é a segunda maior nação negra do mundo.

É preciso colaborar com o fim definitivo do apartheid, com a superação dos conflitos internos em Angola e Moçambique e com a mobilização das sociedades africanas para cicatrizar as feridas do passado e lidar com as necessidades e potencialidades do presente.

O fortalecimento da relação Brasil-África tem se consumado a partir de alguns passos importantes. Quinze países já foram visitados oficialmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dezenas de acordos bilaterais, visando à cooperação em políticas econômicas e sócias, já foram firmados. A divida de Moçambique com o Brasil foi perdoada. Estão em andamento diversos acordos de intercâmbio pela promoção da igualdade racial.

Na Ilha de Gorée choramos emocionados ao relembrar, através das palavras de um Griot, das atrocidades vividas pelos nossos irmãos. Conhecemos um entreposto, hoje transformado em museu, onde a luta pela liberdade está inscrita nas paredes, no solo, e paira nos ares. Lá, está presente a resistência e também o seu oposto: a desesperança, a separação das famílias, o futuro escravo. Passamos pela “Porta do nunca mais”. Do lado de dentro daquela porta, o desespero e o desrespeito; do lado de fora, o fim da autonomia. Aos africanos livres, após passarem pela “Porta do Nunca Mais”, o destino lhes reservava apenas dois caminhos: a morte no oceano, ou a vida escrava nas Américas.

Nós, distantes quase 500 anos desses episódios, ficamos perplexos, por ver de perto, a forma como poucos se consideravam superiores, dominando tantos, que representavam uma civilização capaz de construir sua história, deixando-a como uma nação ultrajada.

O fim da exclusão histórica dos negros depende de ações concretas que permitam mais e mais o conhecimento de nossas realidades. Que permitam que as histórias de resistência não se percam no tempo, na desesperança ...

25 de maio é comemorado em todo o mundo o Dia da África, e é muito importante que esta data seja para nós tanto um momento de reflexão sobre o passado como de aproximação no futuro e, para que isto aconteça é necessário que se incentivem ações que promovam o conhecimento recíproco entre brasileiros e africanos e neste sentido estamos convidando as crianças brasileiras a saberem um pouco mais daquele continente através das cartinhas escritas por crianças de Angola e Moçambique para o projeto “Olhares Cruzados”, que conta com o nosso apoio e estímulo. O saldo de trabalhos como este é o afloramento da África que já existe em nós, brasileiros e brasileiras.

Matilde Ribeiro é Ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial-SEPPIR

 

 

.........................................................................................................

 

Nádia Timm Web Site . Todos os Direitos Reservados - 2005

Fale comigo
Comunidade da Saudade Artemania Exporte Fotolog Edições anteriores
Isto é Brasil Livros Blog Comunidade da Saudade
  Mundo Melhor Novidades Chat Vamos namorar?
Contato I Expediente I Capa Crônicas di-Versos Saúde Fofocas  
Leia também
 
Mundo Melhor

 

 

Anuncie na eNT e tenha acesso ao maior número de pessoas de alto nível e com maior poder aquisitivo,

o mercado que vai direto ao consumidor.

Faça parte dos novos tempos da publicidade.


Anuncie aqui na eNT e multiplique os seus negócios.

......................................