Dominik e Gávi
Ensaio para um teatro de nós dois

Ato I

– Dominik deixou a taça no parapeito da sacada, olhou Gávi nas íris, tirou o cabelo de perto da sobrancelha, o percebeu de canto e sorriu, sacudindo mais os cabelos, alojando-os próximos às orelhas... Abaixou as pálpebras, fixamente, disse:

Olho que parece um abutre. Minhas visões não estão mortas, muito menos fedem. Não pouse aqui seu olho aparentemente terno. Eterna é minha sabedoria, no canto calmo da palavra. Deixe de ti o mais belo sentido e jamais esqueça que não és invisível! Todos vêem você e suas crueldades. Tempo, pareces com o tempo na vista de um ignorante. Humor? Onde está o humor, doce?

Gávi
Uma maçã mordida no fel do inferno é mais doce que o seu cérebro, caríssima Dominik.

Dominik
Não trate a sua língua assim, belíssimo Gávi. Nossos beijos eram mais sutis, mais suco-violento nas primaveras. Lembro-me quem tropeçou primeiro na traição foi um homem que achava que era invisível. Todos viram. E todos viram mesmo, com requinte de observação e dó. Não traia, não passe por desprovido, Gávi.

Gávi
Meu desejo de ser ar entre a vida foi na infância, hoje os minutos grossos passam por mim... quase um...

Dominik
... não vai me dizer estupro, vai?

Gávi
Sim, por que não, sabedoria suprema de fina corte?

Dominik
Gosto que me elogie com mais poesia. Ultimamente, Gávi, tenta o sarcasmo para me entender. A palavra “estupro” é uma decadente pronúncia; onde saiu uma ressonância absurda que me comoveu, sair isso numa frase sua me estremece, entristece...

Gávi
O que poderia completar minha frase, madame moribunda-brilhante?

Dominik
Madame moribunda-brilhante?

– Dominik sorriu, respirou fundo, tomou mais um gole da taça, olhou Gávi, agora com as sobrancelhas enraivadas, mas sensuais, e disse:

Estupro é um crime constrangedor, é uma violência, é uma grave ameaça às belas frases conjugadas perfeitamente nos luares... Aqueles luares! Lembra, Gávi? E também me lembro de coito forçado, muita violação para uma frase gostosa.

Gávi
Luares... Gostosa... Que palavras são essas, Dominik. Quer transar comigo hoje?

Dominik
Você não conhece nada de mulheres, meu caro. Abra esse livro-pessoa!

– Gávi pega um livro azul-escuro na cantoneira, junto de algumas flores-antes-do vaso... Toda manhã Dominik colhe rosas, banha-se de um pouco de sol, com chapéu e luvas e tesoura para podar as plantas e nenhuma preocupação com mundo. Ao redor do pescoço, como agasalho, a echarpe protegia sua garganta. Ela cantava e tocava piano, às vezes, aos apoucados da prisão.

Dominik
Estavam presos mesmo!

Gávi
O que disse?

Dominik
Nada.

Gávi
Caridade em ti? A senhora dos gozos-explosivos-de ardor-da-alma não respondeu minha pergunta, quer sexo, quer? Comigo!

Dominik
Não me faça ter uma expulsão gástrica daquelas barra-pesada. Lançaria uma gosma verde de Spielberg agora!

– Os dois riem alguns segundos e se calam. Se olham, se aproximam... Dominik toca a sua pele com a ponta dos dedos, retira uns fios de cabelo do rosto, ri como se tivesse sozinha:

Dominik
O fim do mundo é o túnel do seu olhar, meu caro Gávi! Erga bem o caráter e beije-me! Venha, vai, venha, beije-me assim mesmo...

Gávi
Então quer me amar?

Dominik
Aqui na sacada mesmo?

Gávi
Aqui dentro de mim!

Dominik
Resolveu me excitar com suas orgias intelectuais, belo ser? Verás que nossas línguas de palavras são orgasmos em neurônios fixos aqui...

Gávi
Comece belíssima-afiada-língua!

Dominik
Primeiro tiro o quê, a vergonha na cara ou sutiã?

Gávi
Não és de portar vergonha. Seus seios ainda continuam os mesmos?

– Gávi dá uma risada alta, grande. Dominik estranha, abaixa a cabeça, acende um cigarro enquanto segura os cabelos diante da chama.

Dominik
Tão eles os mesmos, Gávi!

– Dominik traga, solta, caminha ao redor de Gávi, se aproxima da sua orelha...

Dominik
O mistério do meu corpo as suas fantasias ainda não alcançaram. Tome! É seu só o corpo aqui, homem! Me faça rir ou de prazer ou de rir de rir mesmo. Gemer me incomoda – claro!

Gávi
Pensas que és rainha, Dominik? As verdadeiras rainhas deram ao espelho a magnitude do respeito. Qual veneração a bela senhora transpira? Sei que o seu coração é tomado por ignorâncias veladas. Seus disfarces excêntricos não são mais originais. Quer sexo ou o quê, rainha?

– Gávi ri por alguns minutos, quase ao enjoativo. Parado, olhando Dominik com desejos além-carnais-e-tais...

Dominik
Rainha? Caríssimo, no jogo do xadrez, a peça mais poderosa, movimentada em todas as direções, por quantas casas desimpedidas houver...

Gávi
... Dama, rainha da noite é a Lua e, nas águas, é Iemanjá! Não posso deixá-la concluir sua fala, ficaria estarrecido claramente, Dominik. Aqui somos dois e exemplos de jogos me enfurecem! Excita-me!

– Dominik se afasta da sacada até ao portal, passa as duas mãos pelo cabelo, ri disfarçada.

Dominik
Ajudaria se fossemos gentis com a brisa. Cale-se, sinta o ar. Sinta-me, Gávi!

(...)

Max Miranda # 10/03/2005
www.fotolog.net/maxmiranda

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