Papo de mulher

Nádia Timm

 

Ufa, passou mais um oito de março. Graças a Deus passou rapidinho. Insuportável ficarem lembrando que é meu dia, reclamou, Maria Alice. “Dia da Mulher, seu dia... repetem, como se isso fosse muito bom, bacana, especial. Dão florzinhas, parabéns, spans de cumprimentos, lotam a caixa de e-mails…Caralho! Detesto ser lembrada de que nasci sob este estigma. Graças a um par de seios e uma xoxota não pude e não posso fazer um monte de coisas..."

Maria Alice pronunciava as palavras aos trancos, enquanto segurava a fumaça do baseado. Soninha, ao lado, só erguia as sobrancelhas e balançava a cabeça em sinal de que estava de acordo. Depois de alguns segundos de silêncio, completou o discurso da amiga, com a voz num tom baixo, sussurrando como se choramingasse:

“Quando era criança, não pude jogar futebol. Tomar banho de chuva sem camiseta, nem pensar em brincar com as crianças da vizinhança. Na adolescência, não tive a chave da porta, muito menos a liberdade de ficar até tarde nas festinhas, visitar a turma à vontade, viajar com o namorado. Não pude tirar sarros! Eu e meu bumbum arrebitado não aproveitamos nada...”

O sinal fecha, é final do dia, hora do trânsito pesado.

“Num entardecer romântico, certa vez fui constrangida por policiais, quando estava aos beijos com o namorado, numa linda pracinha florida de Goiânia. Pediram minha carteira de trabalho. Demorou...- putz como sou loira! -... só depois de muitos anos caiu a ficha e percebi que haviam me chamado de puta! “, contou Ana Lúcia – deitada no banco de trás - tentando se esconder dos outros motoristas, aproveitando a última ponta do cigarro, quase queimando os dedos.

As três trabalhavam juntas, num escritório de advocacia, na Asa Norte, em Brasília. .

“Uma vez um vizinho sacana denunciou o sarro que eu e o Betinho tirávamos num carro que conseguíamos emprestado, na esquina lá de casa, em Luziânia.

Fomos de camburão pra delegacia. Tive tanta vergonha que não consegui falar nada. Fiquei paralisada. Depois, crises de choro escondida, solidão, sentimentos confusos, não poderia contar uma coisa dessas pra ninguém, a cidade era pequena. Que vergonha passei”, lembrou Maria Alice.

As amigas explodiram gargalhadas.

Soninha continuou, disparando palavras. “Quando transei, fui obrigada a casar logo. Eram as conveniências, “já que tinha relações com rapaz”, disse minha caretíssima mamãe.

Me livrei com muito custo da mortalha que chama vestido de noiva e de ter de mudar de nome. O que rendeu um esporro do juiz. É uma merda cidade do interior. Mas sabe... em São Paulo o pessoal é caretíssimo, também. Quando fui viver como Roberto escondíamos da vizinhança que já tínhamos sido casados".

Maria Alice e Ana Lúcia além das risadas, começaram a uivar. Soninha se animou a contar o resto da história.

“Pouco tempo depois, outras situações destruiram meu primeiro casamento. O maridão descansava, enquanto eu trabalhava dentro e fora de casa, além de passar pela gravidez. Foram duas, e seguidas de partos terríveis.

Depois, a separação, a luta para a sobrevivência, cuidar dos filhos, ser uma ótima mãe e excelente profissional. Porque para uma mulher isso é o mínimo. Depois casei com Marcos. Uma bomba. Depois foi a vez de Roberto, em São Paulo. Desastre total.”.

As amigas exclamaram em coro: “ As lésbicas são mais felizes!!!”. Era o refrão que repetiam quando entravam na onda de se queixar do machismo do mundo.

Somos doidonas e tão idiotas, resmungou Ana Lúcia. “Mal fodidas e mal pagas.Temos de ser supermulheres 24 horas por dia. Lindas, inteligentes, competentes, jovens para sempre, mesmo assim vamos ganhar menos. E se houver homem na equipe, ele será o protegido do chefe ou da chefa. Porque mulher não admite a capacidade ou beleza, tem essas disputas também".

"Ei, as putas são mais felizes", Maria Alice tentou interromper a canseira do papo com uma frase de efeito. Não adiantou.

“De qualquer forma o salário dele será melhor do que seu, mesmo que você faça a pior ou mais difícil parte das tarefas. Enquanto as colegas, as outras mulheres, vão se especializar em atormentar sua vida com fofocas e maledicências em geral”, reclamava Soninha, vítima da gorda linguaruda do terceiro andar, que invejava os lindos cabelos loiros e o sexy porte atlético dela.

“Essea porra de dia oito de março é o dia internacional da hipocrisia, isto sim! Na verdade, ali na lata, pra sermos mulheres de verdade precisamos ser mais macho que muito homem. Essa data oficial é mais uma prova irrefutável que todos os dias do ano continuam sendo deles”, completou Maria Alice, oferecendo chicletes para as amigas, assim que estacionou o carro.

Embaixo do edifício, adolescentes horríveis reunidos, crianças barulhentas no playground, porteiros em suas salas/ aquários, grudados na mini-televisão com um palmo de tamanho.

As três silenciam.

O ar fresco promete uma noite fria e enluarada. Soninha faz uma bola. O chicle tem cheiro adocicado. Depois do estalo, ninguém diz nada. Um suspiro. Tédio. Uma delas ainda se sente viva. O céu de Brasília se desmancha em vermelhos, rosas e laranjas.

“Por falar nisso. Neste espécime de três pernas. Vamos caçá-los, hoje? É sexta-feira, meninas. Quem sabe esta noite de descobrimos se existem homens com pênis de verdade sobre a face da Terra ...." , diz Soninha.

Aninha arremata. "E se não acharmos, que tal fazer como a Eliana e a Karla e providenciarmos uns consolos no sex shop?... ta valendo???"

 

julho/2005

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