Artigo

4 de abril de 2005

A era João Paulo II

por Luís Corrêa Lima

* Luís Corrêa Lima é padre jesuíta e doutor em História pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente, é professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

 

Não é fácil avaliar um papado, pois suas ações têm alcance mundial tanto na Igreja, que soma mais de um bilhão de fiéis, quanto fora dela. Ainda mais em se tratando de um período superior a um quarto de século, como é o caso do Papa João Paulo II. Por isso este artigo se limita a alguns aspectos que tiveram repercussão política e chamaram a atenção da mídia.

A eleição de Karol Wojtyla, em 1978, surpreendeu o mundo por se tratar do primeiro papa não italiano em mais de quatrocentos anos. A sua procedência do Leste europeu, em plena época da Guerra Fria, era vista como um importante canal de comunicação com o mundo comunista. O novo papa logo se mostrou disposto a viajar bastante, pois tem mais gosto pelo contato direto com a multidão do que pela administração eclesiástica. O seu carisma logo se fez notar.

O discurso de João Paulo II foi bastante marcado pela defesa dos direitos humanos, inspirado no humanismo cristão. Basicamente ele criticou o comunismo e as injustiças do capitalismo, defendeu os trabalhadores e a reforma agrária, fez apelos em favor da paz, dos países pobres e contra a dívida externa e a indústria de armamentos. Opôs-se ao embargo comercial a Cuba, ao Irã, ao Iraque e à Líbia e criticou duramente a guerra de Bush contra o Iraque. A derrocada do socialismo no Leste começou na Polônia, onde o papa e a Igreja polonesa tiveram um papel bastante relevante.

Na relação com as outras religiões, ele teve iniciativas bastante ousadas. Pela primeira vez na história, os líderes das grandes religiões mundiais se reuniram para rezar pela paz. Foi o encontro de Assis. Ele foi também o primeiro papa a entrar em uma sinagoga e em uma mesquita. O contato com o mundo fora da Igreja permite um outro olhar sobre ela própria. João Paulo II por diversas vezes pediu perdão pelos pecados cometidos pelos filhos da Igreja nas cruzadas, inquisições e demais formas de violência e intolerância.

No campo ecumênico, ele manteve encontros com outras confissões cristãs e fez um acordo com a Igreja Luterana sobre a doutrina da justificação. Historicamente isto tem grande importância pois a questão da justificação foi o estopim da Reforma Protestante no século 16. O papel do papa é uma das questões mais controvertidas na aproximação com os cristãos não católicos, com posições bastante polarizadas de um lado e de outro. João Paulo II chegou a admitir uma revisão no modo de exercer este papel de modo a possibilitar a aproximação das igrejas.

O discurso social avançado do papa contrastou bastante com as suas posições no campo da moral sexual, consideradas conservadoras em relação à reprodução, aos anticoncepcionais, às relações pré-matrimoniais, ao divórcio e à homossexualidade. No nível institucional interno, a Igreja reforçou a centralização papal, diminuindo a força dos bispos e suas conferências nacionais e aumentando as atribuições da Cúria Romana. As nomeações episcopais muitas vezes seguem esta linha. Figuras que podem se destacar pela iniciativa e liderança em diversos campos – incluindo o engajamento social e o diálogo com a sociedade – são preteridas em favor de outras menos expressivas que, no entanto, são obedientes. É um perfil bastante distinto dos bispos nomeados por Paulo VI.

O controle doutrinal do Vaticano sobre a produção dos teólogos se intensificou, com notificações e algumas punições. Há quem justifique estas medidas de centralização e controle como a necessidade de se ter posições claras e seguras em um mundo de caos ideológico e moral. Diversos movimentos religiosos conservadores ganharam força na Igreja. Outra característica deste pontificado é a enorme quantidade de beatificações e canonizações, superando vários pontificados anteriores somados. Algumas delas geraram polêmica, como a beatificação de Pio IX e a canonização de Escrivá de Balaguer, o fundador da Opus Dei.

O final deste pontificado teve alguns fatos constrangedores: os escândalos de pedofilia no clero norte-americano. Trata-se de algo que já vinha de décadas passadas, no entanto, a organização das vítimas com ajuda da Internet desencadeou em pouco tempo uma avalanche de denúncias amplamente noticiadas. O que agravou bastante o problema foi a omissão de vários bispos que, cientes dos abusos, não haviam tomado as medidas cabíveis em suas dioceses. Ao invés de afastar os responsáveis e avisar as autoridades civis, optaram por simplesmente transferir de paróquia os padres. O perfil dos bispos agravou o quadro.

O que será da Igreja Católica depois de João Paulo II? Não é fácil prever. No âmbito da moral sexual, há uma grande distância entre o ensinamento oficial e a vida e a consciência da maioria dos fiéis. Essa dicotomia é um problema sério. No campo social, a Igreja tem princípios bastante claros em sua doutrina mas deixa ampla margem aos fiéis quanto às mediações ideológicas e às opções políticas. É o contrário da moral sexual, onde não só princípios mas também práticas específicas já estão avaliadas e determinadas. Alguns teólogos sugerem que o caminho da moral social seja seguido também pela moral sexual, reconhecendo aos fiéis maior autonomia para discernir e agir.

Algumas questões como o sacerdócio feminino e o celibato sacerdotal poderão entrar na agenda do próximo papa. Mas a verdade é que a história é aberta e, muitas vezes, imprevisível. Quem viver, verá.

 


 

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