Artigo

21 de abril de 2005

Mutações no mundo do trabalho (1ª parte)

Altamiro Borges

O chamado mundo do trabalho tem passado por profundas transformações nas últimas três décadas. Além dos efeitos destrutivos e regressivos da crise estrutural do capitalismo e dos estragos do neoliberalismo – causadores de desemprego massivo, informalidade, precarização e corrosão dos salários –, também está em curso uma terceira revolução tecno-científica que produz abalos nas próprias unidades de trabalho. A introdução da microeletrônica, no acelerado processo de reestruturação produtiva do capital, gera enormes polêmicas. Indaga-se sobre os seus reflexos no trabalho e sobre o próprio futuro do proletariado.

Alguns afirmam que essa nova fase da automação “libertará o homem” e resultará em progresso para toda a humanidade. Outros argumentam que as novas tecnologias, sob domínio do capital, servem para elevar ainda mais a concentração de riquezas e resultam em enormes prejuízos para os trabalhadores. Decifrar esse enigma é uma tarefa urgente. Os três artigos a seguir procuram apontar algumas pistas. Seu objetivo é contribuir para o debate sobre o novo perfil do proletariado e sobre o papel dessa classe na superação do sistema capitalista – antes que ele conduza toda a humanidade à desagregação e à barbárie!

Revolução informacional

A automação não é fenômeno novo no capitalismo. Existe praticamente desde seu nascimento, a partir da superação do trabalho artesanal, do parcelamento das tarefas na fase manufatureira e da introdução das máquinas. O que há de diferente na fase atual são os meios usados para automatizar a produção. Até uma fase recente, eram usados somente os recursos provenientes da mecânica e da eletricidade. A partir dos anos 60, a informática foi incorporada no processo de trabalho. Por isso é que alguns batizam a fase atual de “revolução informacional” se diz que a novidade é a introdução e a difusão da microeletrônica.

Os avanços nesse campo são impressionantes. O principal insumo dos equipamentos microeletrônicos são os circuitos integrados – os famosos chips. Sua pesquisa começou em 1958 na empresa Texas Instruments e a sua produção comercial teve início em 1961. Os chips substituíram os transistores que, por sua vez, já tinham superado as válvulas eletrônicas. O primeiro computador a válvula, fabricado pela estadunidense Eniac, no início dos anos 50, ocupava uma área de 150 metros quadrados. Já o atual circuito integrado, encontrado numa pastilha de silício, ocupa menos de 0,5 centímetro, cabendo em cima de um dedo.

O Comando Numérico Computadorizado (CNC) é considerado o primeiro passo da microeletrônica na automação industrial. Através dele, máquinas-ferramentas tradicionais, como fresadoras, prensas, tornos e outras, ganham controles eletrônicos que garantem maior rapidez e precisão no processo produtivo. A alma do CNC é um microprocessador, que lhe dá capacidade de memorizar informações, fazer cálculos e transmiti-los à máquina para efetuar a operação produtiva. As primeiras máquinas-ferramentas com CNC foram usadas nas indústrias naval e aeronáutica.

Enquanto o CNC serve à indústria mecânica, os Controladores Lógicos Programáveis (CLPs) reinam na siderurgia e na indústria química, aonde administram os processos contínuos de produção. Dotados de memória, os CLPs são gerentes eletrônicos que “tomam decisões”, como as de abrir ou fechar válvulas, soar alarmes, selecionar produtos químicos, etc. Esses equipamentos são os mesmos usados no controle de tráfego da rede metroviária e na sinalização de trânsito.

Já os robôs representam um novo salto na automação. Segundo o Instituto Americano de Robótica, é “um manipulador reprogramável e multifuncional, projetado para movimentar ferramentas, operar dispositivos especiais e transportar materiais, por meio de movimentos programados variáveis, o que permite executar um conjunto diversificado de tarefas”. Os primeiros protótipos surgiram no início dos anos 70. Os robôs soldam carrocerias, pintam peças, carregam máquinas, montam produtos mais complexos, etc.

Alguns robôs inclusive são programados para aprender o trabalho. Eles observam os movimentos de um pintor industrial, por exemplo, registrando as suas posições a cada vinte milésimos de segundo. Depois, são capazes de reproduzir toda seqüência do movimento do operário, de forma contínua e em tempo real. Desta forma, o robô se transforma numa nova alavanca para expropriação do saber operário. Ele confisca e se apropria do conjunto de habilidades dos trabalhadores fabris.

Por último, também atuam na automação os sistemas CAD/CAM (Computer Aided Design/Computer Aided Manufacturing). São equipamentos altamente sofisticados que permitem projetar e definir as peças numa tela de computador e, posteriormente, enviar as especificações diretamente para as máquinas que se encarregam da produção. Desta forma, todo o processo é informatizado, do projeto à produção direta. As atividades de engenheiros, projetistas e desenhistas, que ainda estavam imunes à automação, são atingidas drasticamente. Há uma redução substancial do tempo necessário para o projeto de novas peças e produtos.

Ciência neutra?

Todo esse avanço tecnológico tem enormes reflexos. Do ponto de vista do capital, possibilita um aumento sem precedentes da produtividade e uma brutal redução dos custos operacionais – incluindo aí o corte de empregos, ganhos com a economia de tempo e diminuição de reparos, refugos e estoques.

Além disso, ele permite maior flexibilidade na produção. Com esses novos equipamentos, basta acionar o sistema de controle, baseado no microprocessador, para que o robô ou a máquina-ferramenta com CNC se adapte de imediato às novas funções, redesenhando peças ou produtos. Essa versatilidade possibilita que as empresas automobilísticas já produzam carros com acabamentos específicos e características exclusivas, atendendo à demanda de um mercado cada vez mais elitizado e excludente.

Mas as vantagens não se limitam ao aumento da lucratividade. Através da microeletrônica, a burguesia também consegue tornar mais rígido o controle sobre os trabalhadores. Desde a superação do trabalho artesanal, essa é uma questão decisiva para a sobrevivência do atual sistema. Segundo Benjamin Coriat, “microcomputadores ou terminais de computador instalados em máquinas podem permitir – antecipando informações sobre a velocidade do corte, a freqüência de utilização de cada ferramenta, os tempos perdidos que separam duas operações – o exercício de um controle rigoroso de ritmos, da cadência do trabalho, bem como da freqüência com que as peças são aceitas”. Sem a presença física de contramestres ou supervisores e de forma muito mais eficaz, a empresa pode combater o que Taylor chamava de “corpo mole” do trabalhador. A microeletrônica, a serviço do capital, diminui ainda mais a autonomia operária.

Esses são os grandes objetivos da burguesia e é nesse contexto que a automação deve ser analisada, sem qualquer ilusão com a tese da ciência como algo neutro. A introdução e difusão das novas tecnologias têm como motivações básicas o aumento da lucratividade e da capacidade competitiva das empresas. Além disso, elas visam o controle mais seguro sobre o trabalho. Essa é a lógica do sistema capitalista. Não há por parte do capital nenhum interesse filantrópico pelo “bem-estar da humanidade”. Ele se apropria inclusive da ciência, dos conhecimentos acumulados pelo homem, para atingir os seus fins lucrativos.

Como diz o sociólogo Pino Ferraris, nesse ponto incorre em erro quem vê a tecnologia “como se fosse um instrumento neutro e dócil, adaptável a todas as boas intenções e conciliável com os mais diversos e contrastantes interesses”. Em outras palavras, ilude-se quem não enxerga que “a maquinaria é um meio para produzir mais-valia”, como já nos ensinou Karl Marx.

Desemprego estrutural

Já para os trabalhadores, os efeitos da automação capitalista podem ser dramáticos. Um dos mais graves é o desemprego. Segundo parâmetros médios, a implantação de uma máquina-ferramenta com CNC pode implicar na dispensa de quatro a oito operários; já o robô, de cinco a sete; e o CAD/CAM, de dois a 20 trabalhadores. Estudos feitos nos EUA demonstram que, somente na década de 80, cerca de 7 milhões de empregos na indústria e de 30 milhões em escritórios e bancos foram aniquilados pelas novas tecnologias.

Mesmo no Brasil, onde a difusão da microeletrônica é relativamente recente, suas conseqüências também são sentidas. O Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômica (Dieese) constatou que as prensas automatizadas, por exemplo, executam 25 golpes por minuto – contra apenas 10 efetuados pelas máquinas tradicionais. Já a troca de ferramentas, que antes era realizada em até cinco horas, passou a ser feita de forma automatizada em 25 minutos. O saldo final para uma fábrica pesquisada, cujo nome não foi revelado, é que o operador de CNC produzia o equivalente a 21 prensistas do sistema antigo.

No processo de queda do número absoluto de empregos, algumas profissões entram em declínio e outras aumentam a sua importância. As mais prejudicadas são as funções vinculadas à mecânica, como torneiro, ferramenteiro e prensista. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) já prevê a extinção de postos de trabalho de pintura em pistola e de solda a ponto. Já as profissões em alta são as ligadas à eletrônica e ao conserto dos novos equipamentos, como analista de sistema, manutenção e técnicos em eletrônica.

Diante desse quadro, alguns tentam minimizar o impacto da microeletrônica sobre o emprego. Afirmam que a vaga extinta pela automação é compensada em outros setores da economia. Há ainda os que alegam que as novas tecnologias suprimem apenas tarefas penosas e perigosas e criam profissões mais criativas e enriquecidas. Os fatos, porém, desmentem tais versões. Quanto à tese da compensação, pesquisas provam que o chamado “desemprego tecnológico” já é uma realidade que se agrava ainda mais em decorrência da crise crônica do capitalismo. “Os efeitos de redução dos empregos são certos e imediatos, enquanto os efeitos positivos são condicionais e de mais longo prazo”, conclui Coriat.

Além disso, o desemprego agora não vitima apenas os operários industriais. Ele atinge outros setores da economia que antes serviam como amortecedores e absorvedores da mão-de-obra expelida pela indústria. É o caso do comércio, onde hoje são introduzidos modernos equipamentos, como o terminal de ponto de venda e a caixa registradora eletrônica. O primeiro é ligado ao sistema on line dos bancos, de maneira que os gastos das compras são debitados automaticamente na conta do cliente. Já o segundo potencializa o uso do código de barras, permitindo que o próprio consumidor faça a leitura óptica do gráfico. Remarcadores, controladores de estoque e caixas, entre outras funções, são vítimas dessa impressionante modernização.

Além da indústria e do comércio, a informática e a microeletrônica já estão presentes nos escritórios, em áreas de ponta da agricultura e nos bancos. Nesses, por exemplo, são visíveis as drásticas mudanças dos últimos anos, com a introdução do sistema on line, do caixa automático, etc. Mesmo o setor de fabricação dos componentes microeletrônicos e de computadores, que está em vertiginosa expansão, não cria as vagas necessárias para compensar os empregos eliminados, já que é altamente automatizado.

Alienação do trabalho

No que se refere à criação de “profissões mais criativas e enriquecidas” é preciso relativizar a questão e desmistificá-la. Segundo vários estudos, o que de fato ocorre é uma certa polarização. Algumas profissões desaparecem, outras perdem seu conteúdo e somente poucas se tornam altamente qualificadas. A perda de conteúdo decorre da simplificação do processo produtivo e da retirada das mãos dos operários do controle do seu trabalho. Os trabalhadores não mais se auto-organizam para efetuar suas tarefas e nem impõem seu ritmo de trabalho. Com a microeletrônica, a máquina comanda totalmente a produção.

O psicanalista Emílio Rebecchi, autor do livro “O sujeito frente à inovação tecnológica”, afirma que “é evidente uma vivência geral e dramática da perda do próprio profissionalismo. A capacidade de trabalho é transferida do homem para a máquina. A criatividade é anulada. A expropriação do profissionalismo atinge em maior medida, evidentemente, as camadas de trabalhadores que desempenhavam funções de elevada qualificação profissional”. Com base em pesquisas e entrevistas feitas na Itália, ele conclui que “o nível profissional é alto apenas para poucos, uma elite limitada, enquanto é muito baixo para os outros”. Há um alargamento da base desqualificada e um afunilamento do vértice, sem figuras intermediárias.

Um operário entrevistado pelo autor comenta: “Saber usar o computador significa, para mim, apertar um botão para ligá-lo e apertar teclas segundo os programas fixados. Até um débil mental é capaz de aprender coisas assim”. Outro fala que “o nosso trabalho ficou cada vez mais mecânico e repetitivo. Até as crianças sabem fazer hoje em dia o que fazemos”. Para Rebecchi, “há uma perda global do significado do trabalho. Há uma transferência da inteligência do homem para a máquina e uma nova dependência, pelo homem, dessa inteligência que ele mesmo depositou na máquina. Enquanto na situação anterior o operário pertencia normalmente a grupos de trabalho que tinham a possibilidade de reconhecer o significado do trabalho, na fábrica informatizada pode acontecer dele não saber mais o que resultará do seu trabalho”.

A simplificação das operações é visível. Um curso de CNC leva em média apenas seis dias, enquanto um ferramenteiro necessitava de vários anos para aprender sua profissão. Há perda de posição em relação ao processo produtivo e ao objeto produzido. O trabalhador não sabe mais em que ponto da produção ele se encontra. Recebe sinais “insensatos” com base nos quais deve realizar operações. Mesmo para a pequena elite especializada, as pesquisas indicam que é uma questão de tempo para que a automação a atinja.

Jean Lojkini prevê que “à distância entre o engenheiro e o operário que manipula sistemas automatizados tende a desaparecer ou pelos menos diminuir se, se quiser utilizar eficazmente tais sistemas”. Outro operário ouvido por Rebecchi alerta: “O que estou fazendo será modelizado e automatizado e escapará do meu domínio”. Na verdade, a microeletrônica uniformiza o trabalho por baixo. A perda de qualificação tem profundos reflexos, como falta de identidade profissional, ausência de identificação com o trabalho e inutilidade das experiências acumuladas, das capacidades pessoais e do conhecimento adquirido.

Harry Braverman, autor de um clássico sobre o tema, garante que toda trajetória da automação resulta em tarefas mais repetitivas, rotineiras, parciais e elementares. “As novas funções e ocupações, que surgem após a automação das atividades, exigem trabalhadores com habilidades inferiores às que eram exigidas antes do desenvolvimento tecnológico”. Outro estudioso, James Bright, chega a apresentar gráficos demonstrando que quanto maior é a automação, menor é o grau necessário de especialização.

Acompanhando o processo histórico de degradação do trabalho, pode se dizer que a revolução industrial do século 18 foi marcada pela passagem da ferramenta para a máquina-ferramenta. Já a chamada “terceira revolução industrial”, a da microeletrônica, designaria a passagem da máquina-ferramenta para o sistema de máquinas auto-reguladas. Nessa nova fase, o capital não procura apenas substituir as habilidades da mão humana. Ele visa a substituir também as funções cerebrais requisitadas pelo processo produtivo. Isso não significa o desaparecimento da intervenção do homem, mas sim o seu rebaixamento.

Exemplos da desqualificação são muitos. É só lembrar o sumiço do linotipista, que já foi tido como um operário símbolo. Em seu lugar, o setor gráfico emprega hoje o digitador, cujo grau de especialização é bem menor. O mesmo ocorreu no sistema bancário. Conforme lembra Roque Aparecido, antes o bancário ascendia na profissão se fosse contador. Hoje, com a informática e o sistema on line, não se exige maior aperfeiçoamento profissional – o que facilita, entre outras coisas, a rotatividade no emprego nos bancos.

Nas fábricas, antes o responsável pela operação da máquina-ferramenta precisava conhecê-la, era um operário manual bastante qualificado. “Quando se lhe acoplaram dispositivos microeletrônicos e essas máquinas se transformaram em máquinas-ferramentas de controle numérico, passou a haver uma mudança radical do processo de trabalho. Essas mudanças acabaram por acarretar com que o controle e a capacidade de tomar decisões saíssem da fábrica para os escritórios e o operário do novo equipamento passou a ser um mero apertador de botões”, comenta Paulo Roberto Feldmann.

Ambiente doentio

Um outro ponto polêmico sobre a automação relaciona-se ao ambiente de trabalho. Os que absolutizam a diminuição das atividades penosas, insalubres e perigosas, particularmente nas fábricas, tentam esconder os novos riscos decorrentes da microeletrônica e da informática. É consenso que ocorre uma melhora do ambiente ocupacional, já que os equipamentos automatizados podem operar em áreas de maior risco e em serviços mais pesados. Mas isso não quer dizer que estejam superados os danos à saúde. Certos distúrbios físicos diminuem, mas não desaparecem totalmente. Outros surgem, como os problemas de articulação de músculos e os oriundos da falta de correntes de ar e da baixa temperatura na sala de máquinas.

Porém, o que tem causado maior preocupação entre os estudiosos do assunto são os chamados distúrbios psicossomáticos. Eles ainda são pouco conhecidos, mas afetam os trabalhadores. A Fiom (Federação dos Metalúrgicos da Itália) já constatou que “o trabalho com computadores influencia no equilíbrio psíquico, cujos sintomas vão desde um mal-estar generalizado até verdadeiros indícios de doença mental”. O que se observa nos países industrializados é o aumento dos casos de gastrite, úlcera, tensão nervosa e estresse. Cresce também o número de suicídios de operários na Europa, EUA e, principalmente, no Japão.

Várias causas explicam essa anormalidade. Rebecchi aponta, entre elas, a mudança abrupta do conteúdo do trabalho, os ritmos mais intensos impostos pelas máquinas automatizadas, o aumento das dificuldades de relações interpessoais nas fábricas. Um operário entrevistado afirma: “Você se sente completamente vazio”. Um outro comenta: “Vamos acabar virando robôs de segunda categoria, menos importantes do que as máquinas”. E um outro arremata: “Onde tem informática, as pessoas parecem todas loucas. Somos agressivos e competitivos”. Ele cita seu próprio exemplo: “Eu me vejo mentalmente trabalhando na frente do computador quando estou em casa. O trabalho volta a minha mente de maneira obsessiva, fica difícil expulsar aquele pensamento. É como quando ouço uma música e não consigo tirá-la da cabeça”.

Há ainda o problema do isolamento. O trabalhador fica preso ao seu terminal, não podendo se descuidar. Em muitas empresas, inclusive, são construídas estações de trabalho só para alojar os equipamentos microeletrônicos. Além do isolamento físico, há também o distanciamento sobre o processo de trabalho. A função de um trabalhador não encontra correspondência na dos outros, mesmo quando estão próximos. “Agora o trabalhador fica isolado e a centralização do trabalho é feita por um cérebro localizado no nível superior”, explica Rebecchi. Dessa forma, a empresa cria uma relação cada vez mais individualizada com cada trabalhador, o que resulta num empobrecimento das relações de classe.

A depressão, causada pela monotonia do trabalho, é outra queixa constante dos operários europeus e japoneses. Através dos computadores, são retirados do processo produtivo os fatores imprevistos; a cadência e o ritmo são determinados pelas máquinas. Há maior alienação em relação à atividade produtiva. Alguns equipamentos também exigem um nível de atenção maior. Várias pesquisas já apontam casos de solidão nos novos ambientes de trabalho. A desqualificação profissional e a redução dos contatos humanos também causam depressão e outras anomalias psíquicas.

Homem de vidro

As novas tecnologias também facilitam o controle da empresa sobre os trabalhadores, o que resulta em aumento de tensão cotidiana nas fábricas. Hoje já se fala no sindicalismo europeu no “homem de vidro”, já que o trabalhador fica transparente, é facilmente observado pela hierarquia da empresa. “A informática possibilita um controle até bem pouco tempo totalmente impensável sobre o tempo de trabalho efetivo, sobre a quantidade de trabalhos realizados e sobre a sua qualidade. As próprias funções tradicionais da hierarquia empresarial são transformadas. O chefe de departamento perde a tarefa do controle repressivo, não precisa mais verificar diretamente o tempo de trabalho efetuado, mas sim colher as informações que os instrumentos de controle informatizados fornecem”, comenta Rebechhi.

Via computador, a empresa sabe ao final do dia a quantidade precisa das operações realizadas, o tempo real de trabalho e os espaços utilizados para folgas, o número de erros cometidos e o tempo para a sua correção. Com isso, é possível estabelecer curvas de rendimento e normas de produção mais rígidas. Esse aprimoramento da vigilância tem gerado protestos. O movimento sindical dos países industrializados tem, inclusive, procurado firmar acordos que reduzam tal controle. Mas os avanços nesse terreno são pequenos, uma vez que permanecem vigorando as regras da propriedade capitalista. “A influência dos trabalhadores limita-se geralmente a um direito de consulta e de negociação, ficando intacto o direito dos empregados de dirigir e repartir o trabalho”, comenta a pesquisadora Rosa Maria Marques.

Todos esses fatores reforçam a tese de que, apesar das profundas mudanças introduzidas pelas novas tecnologias, os princípios do taylorismo permanecem bem atuantes. A separação entre a concepção e a execução é acentuada. A concepção pode se dar inclusive fora da fábrica e até do país onde ela está instalada. A hierarquia – palavra que deriva do grego e significa poder sagrado – é mantida e ampliada pelos equipamentos informatizados. Os trabalhadores agora estão submetidos ao “poder hierárquico tecnológico”. A informática possibilita inclusive que o taylorismo penetre em setores da economia em que sempre teve dificuldades de se viabilizar, como no comércio e nos escritórios.

Pino Ferraris é categórico ao afirmar que a microeletrônica é “a nova encarnação técnica do taylorismo, fundada na separação radical entre sistemas informativos e áreas operacionais, entre continuidade da rede informativa e descontinuidade dos pontos de trabalho, que substitui a fragmentação física da ação do trabalho por uma nova atomização lógica do trabalhador, com a privação total do acesso à racionalidade global e visível do ciclo de produção”. Para ele, “a inovação tecnológica, ao tornar completamente obsoletas a inteligência e a experiência de trabalho, realiza uma dissipação suicida daqueles recursos humanos que são a base moderna da produção e do desenvolvimento do sistema”.

Pode-se afirmar que a imposição de Taylor, de que os operários não são pagos para pensar, mas sim para trabalhar, atinge sua plena realização. Rebecchi chega a falar em hipertayolorismo. “Se no passado foram expropriados os operários profissionais, agora é a vez dos técnicos, dos funcionários e dos próprios programadores. A administração científica alcançou-os através da revolução da informática e os coloca cada dia mais sob o comando rígido das máquinas e dos tempos das máquinas, num mundo onde a regra é representada pela execução e subordinação. A organização do trabalho reafirma, assim, a divisão do trabalho, a divisão entre execução e direção, e a reafirma exatamente no momento em que os limites entre o trabalho manual e o intelectual vão ficando cada vez menos nítidos”.

* Esse artigo é uma versão revisada do texto publicado na revista Princípios nº 23. O próximo abordará as mudanças nas técnicas gerenciais.

Altamiro Borges, (Miro) é jornalista, editor da revista Debate Sindical. Autor, junto com Marcio Pochmann, do livro "Era FHC - A regressão do trabalho" (Editora Anita Garibaldi); e organizador do livro “A reforma sindical e trabalhista no governo Lula” (Editora Anita Garibaldi, 2004).

 

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