Pontes sobre o abismo social brasileiro |
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O rapper MV Bill, que nasceu e mora na favela carioca Cidade de Deus, deu um depoimento emocionado sobre sua vida, sobre o documentário que fez com jovens ligados ao tráfico de drogas e sobre o livro Cabeça de porco, que escreveu em parceria com Luiz Eduardo Soares e Celso Athayde. O cantor emocionou-se ao descrever a experiência de acompanhar meninos que trabalham como “soldados” do tráfico. “Dos 16 garotos que filmamos para o documentário, 15 já morreram. Temos depoimentos de todos eles e registramos também os 15 velórios”. Bill ficou com a voz embargada e chegou a chorar. Foi ovacionado e aplaudido de pé por alguns dos presentes. O documentário começou a ser rodado como uma continuação do clipe da música “Soldado do morro”, um dos maiores sucessos do rapper carioca. A exibição pública do videoclipe rendeu um processo contra o artista, movido por uma autoridade policial. “Felizmente algumas vozes se levantaram em minha defesa. Uma delas foi a do Luiz Eduardo Soares, que eu nem conhecia na época”, contou Bill. Luiz Eduardo Soares O antropólogo e ex-secretário de Segurança do Rio de Janeiro Luiz Eduardo Soares apresentou alguns números espantosos sobre o que ele chamou de um verdadeiro “genocídio” brasileiro. Segundo Soares, cerca de 45 mil pessoas são assassinadas anualmente no Brasil, e a taxa de homicídio é de 27 mortes por 100 mil habitantes. Porém, se o universo considerado for masculino e de jovens entre 15 e 24 anos, o número sobe para quase 100 mortes para cada 100 mil habitantes — e quase sempre os mortos são pretos e pobres. De acordo com o antropólogo, esta taxa é maior que a do conflito entre israelenses e palestinos. No entanto, Soares fez uma ressalva quanto à aproximação da violência brasileira com as de zonas de conflito armado: a metáfora da “guerra” pode legitimar soluções simplistas e repressivas para um problema complexo como o da violência, que tem componentes sociais e psicológicos. Para Luiz Eduardo Soares, as pessoas pobres e em situção de risco no Brasil, especialmente menores e jovens que vão parar em instituições reformatórias, têm fome de “amor e reconhecimento”. O antropólogo, que também é autor de Meu casaco de general, entre outras obras, disse que a missão de seu livro com MV Bill é lançar uma ponte sobre o abismo social brasileiro. O cineasta e comentarista Arnaldo Jabor dividu a platéia e incendiou o debate ao abordar a atual crise política brasileira. Jabor fez uma defesa do governo Fernando Henrique e, em dois momentos de sua fala, arrancou vaias e aplausos simultâneos da platéia. Jabor ressaltou que não estava defendendo o ex-presidente FHC, mas o período de seu mandato, que nas palavras do comentarista “substituiu o utópico pelo possível”, fazendo com que o país fizesse uma consulta à vida real, à situação concreta, deixando de lado os dogmatismos ideológicos. Jabor não se intimidou: “Pode vaiar, é isso mesmo, eu também estou com vontade de vaiar”, disse ele. O autor de Amor é prosa, sexo é poesia voltou a ser aplaudido e vaiado ao mesmo tempo quando afirmou que o governo Fernando Henrique sofreu uma sabotagem de oito anos do PT e da USP. Jabor admitiu que já havia “roubalheira” no governo anterior, mas disse que o atual “aparelhou” a corrupção. O escritor português Miguel Sousa Tavares, que mediou a discussão com bom-humor contagiante, encerrou o debate lendo um poema de sua mãe, a poeta Sophia de Mello Breyner Andresen, conhecida por sua poesia de grande intervenção social e política.
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