A VIDA É UM SOPRO

 


TRECHOS DE DEPOIMENTOS DE OSCAR NIEMEYER

O SONHO DE CABRAL

Uma vez eu tive um sonho, eu sonhei que o Rio de Janeiro não tinha sido ocupado. Que a cidade tinha crescido mais junto aos morros entrando pelo interior. Então que eu tinha chegado na janela e tinha visto o mesmo panorama que o Cabral viu quando chegou, não é? A natureza fantástica, aquilo tudo, os pássaros, os bichos. E a cidade recuada olhando isso de longe. Seria um paraíso assim guardado no tempo né?

Por isso é que um dia o Sartre disse: quem sabe que o mundo não seria melhor sem os homens.

BELEZA É IMPORTANTE

O importante pra nós em todos os sentidos é a liberdade. Tem que haver fantasia, tem que haver uma solução diferente. Isso é que é importante na arquitetura. O que vai ficar da arquitetura, o que ficou, não foram as pequenas casas, muito bem tratadas...Foram as catedrais, foram as "voutes", foram os grandes balanços, né?

Beleza é importante. Você vê as pirâmides... uma coisa sem menor sentido, mas são tão bonitas, são tão monumentais que a gente esquece a razão das pirâmides e se admira, né? Se você ficar preocupado só com a função, fica uma merda.

LUCIO COSTA

Eu aprendi na vida, aprendi no escritório do Lucio Costa... Naquele período, quando a gente estava no meio do curso a idéia, a preocupação era sempre trabalhar numa firma construtora.Eu que tava até desempregado, tava casado e com poucas possibilidades de dinheiro, eu preferi ir trabalhar com o Lucio de graça. Porque eu queria fazer uma boa arquitetura. E foi lá que eu aprendi.

ARQUITETURA MODERNA X ARQUITETURA COLONIAL

A técnica de defender os monumentos não é copiar, é fazer o contraste. Todo mundo gosta da arquitetura colonial. Mas a gente sabe perfeitamente que ela é mais portuguesa que brasileira. Eu quando vou a Europa e passo por uma cidade antiga eu me sinto melhor. Passar por Portugal naquelas velhas aldeias portuguesas que a gente parece estar no Brasil né ? Eu me lembro que na Europa, às vezes eles diziam:

O passado arquitetônico de vocês é pobre, é mais português do que brasileiro. E eu dizia: isso é muito bom para nós, porque vocês vivem circulando entre monumentos, e nós estamos livres pra fazer hoje o passado de amanhã.

PRÉDIO DA ONU

O edifício da ONU, eles escolheram o meu projeto. No livro que eu publiquei tem uma fotografia de todos me abraçando. Era um projeto assim: o projeto do Corbusier tinha um bloco aqui, alto e o prédio era aqui, e dividia o terreno em dois. No meu projeto, eu botei o bloco aqui, separei os Conselhos da Grande Assembléia, botei os Conselhos aqui e botei a Grande Assembléia aqui. Eu quis criar a praça das Nações Unidas. O meu projeto foi o escolhido, mas o Le Corbusier no dia seguinte me procurou e me pediu pra botar esse prédio aqui. Acabava com a praça. Mas eu senti que ele gostaria de fazer o projeto dele. E ele era o mestre. Eu disse: “Está bem”. Não me arrependo. Então, o projeto dele era o 23, o meu era o 32 e nós apresentamos o projeto 23-32. Quer dizer, é isso que tá lá construído. Houve depois pequenas modificações, mas se você olhar a planta, o projeto que eu fiz com a modificação do Corbusier é a solução adotada. Mas eu olho pra trás e acho que foi bom, eu era jovem, fui generoso. Tempos depois, eu almocei com ele no apartamento dele e ele ficou me olhando e disse: -Você é generoso. Eu pensei: “esse cara tá se lembrando daquela manhã, que eu concordei em mudar a posição do bloco.

PAMPULHA - O COMEÇO

Quando eu fui fazer Pampulha, eu fui falar com o JK. E ele me disse que ia fazer um bairro novo em Belo Horizonte. Um bairro com uma igreja, com um cassino, um clube e um restaurante. Quando acabou a conversa ele me disse: olha, eu preciso do projeto do Cassino pra amanhã. Mas eu era jovem, né? Eu tava começando, praticamente era o meu primeiro trabalho. Eu tinha que atender. Fui pro hotel e fiz, trabalhei a noite inteira e no dia seguinte compareci. E ele compreendeu que comigo ele podia correr, não é? E por isso fomos juntos... Pampulha foi o início de Brasília.

PAMPULHA - IGREJA

E em Pampulha minha idéia já era fazer uma arquitetura diferente. Naquele tempo a arquitetura era muito… não compreendia nem representava bem o concreto armado.

Ela era rígida como se fosse feita com estrutura metálica. E o concreto, ao contrário sugeria um novo campo de experiências e invenções. Eu então procurei introduzir a curva na arquitetura.

Nós queríamos impor a curva que é a solução natural do concreto.

Quando você tem um espaço grande assim, a solução natural é a curva não é a linha reta. Então eu cobri a igreja de curvas. E a arquitetura se fez diferente. Se fez mais ligada ao nosso país, mais leve, mais vazada, mais próxima das velhas igrejas de Minas Gerais.

POEMA DA CURVA

Não é o ângulo reto que me atrai,
Nem a linha reta, dura, inflexível criada pelo o homem.

O que me atrai é a curva livre e sensual.

A curva que encontro no curso sinuoso dos nossos rios,

nas nuvens do céu,

no corpo da mulher preferida.

De curvas é feito todo o universo,

O universo curvo de Einstein.

CANSADO DE FALAR DE ARQUITETURA - O IMPORTANTE É PROTESTAR

A minha arquitetura não é uma solução pra arquitetura, é a minha arquitetura.

Assim como na pintura a gente tá de acordo de que não existe a pintura antiga e moderna, existe a boa e a má pintura. Na arquitetura é a mesma coisa. O ideal é cada um procurar o seu caminho e fazer o que gosta. Eu confesso a você que eu tô um pouco cansado de falar de arquitetura. Porque as coisas se repetem, a conversa é a mesma, as perguntas são as mesmas. Mais importante do que a arquitetura é estar pronto pra protestar e ir na rua, isso que é importante, é o sujeito se sentir bem, sentir que não é um merda, que ele tá ali pra ser útil...

COMEÇO DE BRASÍLIA

O Juscelino passou por aqui, me chamou, descemos juntos pra cidade e ele me disse: “Olha, eu quero fazer uma capital. Uma capital diferente. Não quero uma capital provinciana, quero uma coisa bonita, que mostre a importância do país.” E foi bom, começamos a trabalhar. Eu achei Brasília longe demais, mas depois eu me acostumei com a idéia. Que a determinação de Juscelino era tanta que nós passamos a achar que tudo ia correr bem. E Brasília foi assim uma aventura, cheia de problemas e desencontros, desconforto... a gente mal alojado. Mas havia determinação do JK, e a coisa prosseguiu. Porque eu acho que a vida é assim. A gente tem que separar as coisas. A vida é chorar e rir a vida inteira. Aproveitar os momentos de tranqüilidade e brincar um pouco. Depois, os outros é agüentar. A vida é um sopro né?

Eu me lembro a gente trabalhando lá, freqüentando as boates no meio daqueles operários, tudo vestido igual. A gente tinha até a impressão que a sociedade ia melhorar, que os homens seriam mais iguais né? Mas não, quando inaugurou a cidade, vieram os políticos, vieram os homens de negócios, era a mesma merda, a diferença de classes, a imposição do dinheiro, dos negócios, tudo que até hoje anda por aí .

BRASÍLIA, ARQUITETURA E ESTRUTURAS

Eu procurei dar à arquitetura, às estruturas maior relevo. Eu valorizei o trabalho do engenheiro. E lá em Brasília quando uma estrutura se concluía, a arquitetura tava presente. Quer dizer, a arquitetura e a estrutura como uma coisa que nascem juntas e juntas devem se enriquecer.

Quando o Congresso ficou pronto, a estrutura, a arquitetura já estava lá.

É um projeto que eu gosto muito. É muito simples. Ele realça o que é preciso realçar, onde o trabalho é mais importante, quer dizer a câmara e o senado.

Eu quis fazer o teto no nível das avenidas. E é fácil explicar: eu queria que quando a pessoa chegasse, visse a Praça dos Três Poderes da qual o Congresso faz parte.

BRASÍLIA - COLUNAS E CATEDRAL

Por exemplo, a Catedral. Eu não queria uma catedral como as antigas catedrais. Eu queria uma catedral que exprimisse o concreto. E mesmo não sendo católico eu me preocupei que quando a pessoa estivesse na nave visse o espaço infinito. Quer dizer, eu procurei uma ligação que para os católicos é importante, a ligação da nave, da terra com o céu. Eu me lembro que veio um representante do Papa e se espantou: que idéia boa! E depois botamos os vitrais que são muito bonitos, mas sempre deixando um espaço para que a vista pudesse subir.

BRASÍLIA - MARECHAL LOTT

A primeira vez que eu fui à Brasília de avião e a gente foi com os militares, eu sentei ao lado do Marechal Lott e no caminho ele me perguntou: Niemeyer, o nosso edifício vai ser clássico, né? Eu até disse sorrindo pra ele: o senhor numa guerra o que vai querer? Arma antiga ou moderna?

A RAZÃO É INIMIGA DA IMAGINAÇÃO

Esse negócio da razão é inimiga da imaginação, isso é fantástico. A gente não quer uma arquitetura certinha, que funciona bem. Funcionar bem toda arquitetura tem que funcionar. Quando eu fiz a sede de Mondadori, é um palácio... Ele quis fazer um prédio no centro de Milão, ele veio me procurar. Se a sede não funcionasse bem ele não vinha. Quando eu fiz a sede do partido, passaram-se dez anos, resolveram fazer o jornal Humanité, eles vieram me pedir. Você acha que se funcionasse mal eles me queriam? Ninguém é cretino né?

VISTO NOS EUA

Fui convidado pra fazer um trabalho grande nos Estados Unidos. Então eu fui no consulado e a mulher me disse: “olha, tem visto não”.

-“Por quê? É pessoal?”

-“’É pessoal”.

Eu virei e disse: “olha sabe que eu tô contente. Porque se depois de vinte anos vocês me negam o visto, é sinal de que eu não mudei.

GENÉTICA

Todos temos dentro de nós um ser oculto, que nos leva pra um lado ou pra outro.

O meu é esse: ele gosta das coisas, ele gosta de mulher, gosta de se divertir, gosta de chorar, se preocupa com a vida. É um sujeito complicado, não é?

E nós não somos responsáveis em parte pelas nossas qualidades e defeitos. O sujeito nasce branco, preto, amarelao, azul, rico, pobre, inteligente. Então a gente tem que aceitar as pessoas como elas são. De modo que quando eu vejo uma pessoa, eu sempre digo: é feito uma casa, uma casa que a gente pode pintar, consertar o telhado, as paredes, mas se o projeto for ruim, fica sempre a deficiência.

VELHO PESSIMISTA

Eu sou pessoalmente pessimista. Eu tô na linha dos velhos pessimistas. Eu acho que a vida é um minuto.


 

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