Entrevista com o coordenador

do Festival de Brasília, Fernando Adolfo

 


O coordenador do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, Fernando Adolfo, lembra a trajetória do evento no qual trabalhou em todas as edições.

Testemunha dos momentos históricos do cinema e da política brasileira, o festival tem identidade artística, e jamais se rendeu ao marketing comerciais ou dos poderosos de plantão.

Abaixo, entrevista publicada no site da Secretaria do Estado da Cultura, do Governo do Distrito Federal. Vale a pena conferir.

 

Com uma experiência completa quando se fala de festival de cinema, até porque é hoje o funcionário mais antigo da Secretaria de Cultura e participou de todos os festivais, o senhor trabalhou mesmo em todas as edições?

A informação confere. Realmente estou desde a I Semana do Cinema Brasileiro, em 1965. Entrei na Fundação Cultural exatamente no mesmo ano da I Semana, em março, e já se falava no festival, a princípio idealizado por Paulo Emílio Salles Gomes, que era professor na UnB e promovia pela cidade alguns cursos de apreciação cinematográfica.

A idéia logo foi encampada por Carlos Augusto, diretor da antiga Fundação Cultural do Distrito Federal (FCDF) e o Walter Mello, um de seus assessores. Além deles, tínhamos todo o apoio do Cleantho Siqueira, secretário de Educação, do crítico Olívio Tavares de Araújo, do professor Paulo Galante e de todo esse pessoal participou das primeiras discussões e tenho que citar ainda os professores Rogério Costa Rodrigues e o Geraldo Sobral.

A discussão foi crescendo até chegar ao Paulo Emílio Salles Gomes, que foi o formatador final. Nessa época, não havia clube de cinema, que foi criado certamente por influência do festival, em 1966, por iniciativa do Rogério e do Geraldo Sobral. O Cine Brasília já operava, arrendado para a empresa Luiz Severiano Ribeiro.

Na W3, tínhamos também o Cine Cultura, que funcionava comercialmente e era explorado pela empresa Paulo Sá Pinto, que depois montou a primeira sala do Conjunto Nacional, o Cine Astor. Antes de Brasília, estudava no Colégio Central da Bahia, e lá eu integrava o CPC (onde também estudaram Glauber Rocha, Caetano Veloso), tínhamos um núcleo que fazia teatro.

Nesse núcleo tive contato com os cineastas baianos Roberto Pires, Paulo Gil Soares e Rex Schindler e as atrizes Jurema Penna e Luiza Maranhão. Acompanhei as filmagens de A Grande Feira.

Também conheci o Paulo Gil Soares, que rodava cenas para Deus e o Diabo, e os acompanhei pelo sertão. Portanto, quando a semana brasiliense começou, entrei "de cara" na organização do festival.

É bom frisar que nessa época a Fundação não tinha mais que 20 funcionários entre os quais gostaria de lembrar de pessoas como Ethel Dornas e Paulo Galante.

Quando o festival foi implantado já tinha censura?

Uma censura muito amena. Porque o golpe de 64 tinha sido um ano antes, a situação ainda era indefinida. Eu estudava no Elefante Branco e lembro que em 66, quando inauguraram o Beirute, as coisas começaram a ficar mais sérias.

Cheguei a ter a confiança de um dos censores, devido ao trabalho que fazia de ir sempre liberar os espetáculos, o Romero Lago. O recrudescimento só se deu mesmo a partir de 68 com a decretação do Ato Institucional número cinco (AI-5).

Nessa primeira fase o Festival era voltado para os alunos da Universidade de Brasília (UnB), do Centro Educacional Elefante Branco e do Ciem, que eram núcleos onde se pensava arte em Brasília.

Havia ainda a Escola-Parque da 308 Sul, onde também comparecia a juventude. O pessoal brigava para ver os clássicos dos grandes diretores como Buñuel, Godard, Fellini. Atores como Françoise Forton, Guilherme Reis, Iara Pietricovsky, ainda adolescentes ou quase crianças, eram freqüentadores habituais. As primeiras edições não eram essa loucura de hoje, mas já tinham esse entusiasmo ansioso.

Em que circunstâncias a semana virou festival?

A censura era mesmo vigilante. Os membros das comissões de seleção e do júri eram indicados rigorosamente, para que houvesse um certo controle das escolhas.

Em 67, sendo o Distrito Federal palco do primeiro movimento voltado exclusivamente para o cinema brasileiro, despertou interesse de produtores do Rio, de São Paulo, da Bahia, da Paraíba, para Brasília. Tanto é que na terceira edição virou festival. A mudança foi exclusivamente em razão da quantidade de produções que chegavam para inscrição, era preciso dar vazão a toda aquela série de filmes.

E quais eram os critérios centrais da censura aos filmes?

Com todos os filmes, eu tinha a responsabilidade de levar a fita na censura, eles assistiam e determinavam os cortes. Eram classificados em cortes leves, graves gravíssimos.

Quando leves, a gente tinha que abaixar o som para o palavrão. Mais grave, de nudismo, como a exibição de seios, tinha que colar em cima a bolinha preta e quando era gravíssimo tinha que literalmente cortar a película com tesoura.

Na hora de exibição de filmes, tinha duas cadeiras para o juizado de menores, duas para a censura e duas para a SBAT, com placa de identificação. Os lanterninhas tomavam conta dessas cadeiras como cães de guarda.

Eles iam observar os cortes determinados. Se não tivesse o corte, eles subiam na cabine e mandavam parar a exibição. O País de São Saruê, do Vladimir, já estava proibido. Foi o que ocorreu com Nenê Bandalho.

A seleção foi feita no Cine Atlântida, e um dos selecionadores levantou problemas, e disse que o filme fazia a propaganda das drogas. Foi determinada a apreensão do filme no último dia do festival. E no lugar dele, todo mundo sabe, foi exibido o Brasil Bom de Bola.

Foi uma vaia só no Cine Atlântida, onde acontecia o festival. Quando vi que a coisa ia engrossar, fui na cabine, peguei a lata, pus debaixo do braço e levei pra Fundação. Quando veio a ordem pra recolher, não acharam o filme, e foi uma confusão, tive que inventar uma desculpa. O filme foi despachado pro Rio de Janeiro e se salvou sem os cortes. Nesse mesmo ano, proibiram o festival. O público reagiu violentamente, quebrando cadeiras e gritando, no Cine Atlântida.

O glamour, de que tantos falam, existiu mesmo?

Sim, havia um glamour criado pelos novos diretores, pelas atrizes jovens da época. O André Luiz Oliveira, quando apresentou o Meteorango Kid, em 1967, trouxe a família, o pai.

Dá pra lembrar até mesmo de um clima hippie no meio artístico e das festas ou banhos de piscina no Hotel Nacional. Tinha tapete vermelho, roupas de gala e a presença de atrizes como Leila Diniz, Darlene Glória, Dina Sfat, Paulo José, Carlos Kroeber, Guará Rodrigues, um pessoal muito bom de festa.

Em termos de participação do público, de que grandes momentos o senhor se lembra?

No começo do festival, tínhamos um prêmio de opinião pública, hoje prêmio do júri popular. O público de Brasília sempre foi crítico, participativo, formado pelo próprio festival e com participação maciça dos alunos e professores da própria universidade de Brasília. É um público generoso, mas qualquer deslize é imediatamente tomado de uma reação indignada.

Que diferenças o senhor aponta entre o festival de Brasília e os outros festivais em cidades brasileiras?

O festival de Brasília se desenvolveu bem na área da discussão do cinema, da política cinematográfica, do conteúdo dos filmes, enquanto outros se desenvolveram mais na área da badalação do turismo.

Brasília é um festival político, apesar de não ter o vigor dos anos de censura, ainda hoje continua discutindo a política cultural. Os demais festivais têm características diferentes, normalmente voltados mais para o turismo e astros da televisão.

A seu ver, quais os fatos mais marcantes das edições?

Eu citaria a noite do Nenê Bandalho e a retirada do O País de São Saruê, de Vladimir Carvalho. Historicamente, o Glauber, que nunca teve um filme seu concorrendo no festival, fazendo um discurso fantástico no hall do Hotel Nacional contra a Fundação Cultural, contra a colonização francesa, também foi inesquecível.

E eu citaria ainda a passagem consagradora do Grande Otelo, não só quando estava no auge de sua carreira, quando fez Macunaíma, como também na última semana de vida, já que faleceu uma semana depois de receber a consagração aqui em Brasília e a presença do Bernardo Bertolucci, que participou do festival de 1994.

Por último, um dado técnico: quais as condições de exibição dos filmes no Cine Brasília?

A projeção e sonorização do Cine Brasília são de última geração, a sala é uma das melhores do país, os equipamentos são da marca Cinemecanica, modelo Vicctoria V, com som dolby digital e todo esse equipamento é revisado anualmente, inclusive pelo consultor da Dolby para a América Latina, o argentino radicado em São Francisco, o Carlos Klachquin.

Ele sempre chega uma semana antes para exatamente cuidar dessa projeção. O Cine Brasília, você pode dizer, é um cinema feito para o Festival, para exibir em clima de festival.

Uma sala de 606 lugares, mas que chega a uma média de 1500 pessoas por noite, enquanto a competição ocorre. A equipe técnica é constituída de seis projecionistas formados.

 

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